Biografias

Símbolo da oposição no passado, Alencar Furtado morreu aos 95 anos



Alencar Furtado morreu aos 95 anos na segunda-feira, dia 11 de janeiro. Ele foi deputado federal oposicionista paranaense, cassado por liderar os autênticos do MDB nos anos 1970.

Na entrevista abaixo, de 1998, ele dizia que a maioria dos políticos do MDB tinha um discurso oposicionista só na TV, mas votava secretamente apoiando o governo militar.

José Wille – Apesar de ter um discurso de oposição, uma boa parcela do MDB estava alinhada com o governo?

Alencar Furtado – Não há dúvida! Por exemplo, vamos colocar uma das figuras que se tornou uma das maiores do MDB, o Tancredo Neves, que era simpático, agradável, bom companheiro. Participei com Tancredo Neves, desde 1970 até a sua morte. Tornou-se, ao final da vida, líder das oposições desse país e seu candidato, mas nunca teve um dia de oposição. Se você consultar os anais da Câmara dos Deputados, encontra Tancredo prestando elogios da tribuna a quem já morreu, e só.

Estou dizendo isso para responder a sua pergunta, não como demérito a ele. Ele foi de muita habilidade. Chegou a ser nosso candidato a presidente da República, numa eleição indireta que combatíamos. Tanto excesso de habilidades! E que foi sem nunca ter sido, ou seja, fez oposição sem nunca ter feito. E assim foram outros.

José Wille – O começo da década de 70, que foi o período mais fechado do regime militar, no governo Médici, havia o medo daquela situação de cassações, de perseguições, de desaparecimentos. Como era conviver com isso em Brasília?

Alencar Furtado – Foram dias sombrios, dias tristes, dias de desgraça política. Os nossos companheiros, quando cassados, com holofotes sobre eles, eram arrasados, destroçados na sua vida pública. E não apenas os deputados, mas os perseguidos políticos que não tinham mandato. Eles foram torturados e assassinados – e digo isso dando um testemunho muito próximo pela vivência que tive como líder do MDB. Para o gabinete do presidente do MDB, Ulisses Guimarães, e para o meu, como líder da bancada de então, ia toda a angústia nacional. Filhos procurando pais, esposas procurando maridos… Aquela angústia terrível! Lembro que procurei as embaixadas várias vezes lá em Brasília, mas havia um receio muito grande da ditadura. Os embaixadores não queriam se solidarizar com a luta da oposição.

Mas houve um embaixador da Venezuela, que disse “Consiga com que um preso político chegue à nossa embaixada, que eu darei guarida a ele”. Este homem nos acolheu, e muito. Defendeu muita gente perseguida. Uma vez, ele me telefonou, dizendo “Olha, esse aí não dá, porque o Itamaraty não permite a saída.” O Itamaraty tinha que conceder que a pessoa saísse do país. E eu disse “Se ele não sair, vai morrer! Você tem que dar um jeito!” E esse embaixador, que vivia angustiado, sofrendo conosco, mesmo arriscando sua carreira, chegou ao ponto de fazer um caixão, furá-lo, botá-lo no malote da embaixada e, assim, o homem saiu do país. Então, eram dias terríveis por que passávamos – muito sofrimento, muito sofrimento nacional!

José Wille – Como foi organizada a anticandidatura de Ulisses Guimarães? Ele próprio não tinha muita convicção, a princípio, diante dessa ideia. Os Autênticos é que defenderam essa posição?

Alencar Furtado – É verdade! Foi ideia do Grupo Autêntico. O grupo levou ao Ulisses Guimarães a proposta de ele ser anticandidato. Como não tínhamos mídia, com a imprensa censurada, nós precisávamos que o país nos ouvisse, que a nação nos ouvisse. E a anticandidatura era uma maneira de percorrer o país em pregação. Ulisses resistiu – “Não, isso é muito desagradável! Nós vamos ter dificuldade demais para fazer essa campanha.

Não dá, não estou gostando disso!”. Procuramos o dr. Barbosa Lima Sobrinho, que disse “Mas o Ulisses é que deve ser e tal”. E, antes de terminar a conversa com ele, o Ulisses nos telefonou para dizer que aceitava. E o Barbosa Lima saiu como anticandidato a vice-presidente da República. Foi uma campanha oportuna e importante, porque o Brasil passou a ser esclarecido do que acontecia. A pregação foi grande, houve muitos fatos – por exemplo, o governo da Bahia colocou os cachorros em cima de Ulisses lá na Caminhada da Bahia. Houve uma série de coisas, mas foi uma pregação importante e o povo passou a acreditar na oposição. Passou a prestigiar e eleger a oposição de forma admirável.

José Wille – Em 1974, foi o grande exemplo, o grande crescimento da oposição pelo Brasil.

Alencar Furtado – Mas é bom que se diga aqui – um registro histórico – que o Ulisses tinha um compromisso com o Grupo Autêntico de não ir ao Plenário juntamente com o Geisel, para contestar um processo que estava sendo repugnado por todos nós e por ele mesmo, na pregação como anticandidato. Dez dias antes da antieleição em Plenário, da eleição do Geisel, Ulisses nos chamou e nos disse que não podia honrar aquele compromisso com o Grupo Autêntico. Teria que submeter seu nome à coordenação do Plenário, porque seria um desafio muito grande ao sistema e que, talvez, houvesse consequências muito sérias.

Então, nos rebelamos contra ele e argumentamos que ele podia chegar no Plenário como gigante e não como pigmeu político. Era proibido regimentalmente aos deputados e aos delegados falarem no Plenário – só o líder da Arena ou do MDB podiam falar. Então, fomos ao presidente do Senado, que ia presidir a sessão, e lá conseguimos que nos abrisse uma brecha para que levantássemos uma questão de ordem, que seria nosso protesto. Eu fui escolhido para fazer essa questão de ordem – foi um instante muito tenso politicamente, o Plenário cheio, os militares presentes…

Fui avisado, minutos antes, pelo líder do governo de que seria cassado, e se os meus colegas do Grupo Autêntico apresentassem o documento, todos seriam cassados também. E nesse clima apresentamos o documento, dizendo que eram usurpadores da liberdade, usurpadores da República, usurpadores da democracia… Por uma dessas contradições que só a política pode oferecer, eles estavam dispostos a nos cassar. Porém, como o nosso documento foi enviado a todos os quartéis, o pessoal do Geisel achou que a cassação de 22 deputados naquele instante, antes da eleição dele, podia acarretar na continuidade do governo Médici e ele não iria para a presidência da República. Então, a cassação não aconteceu..

.José Wille – Mas sua cassação aconteceu depois no governo Geisel, por uma manifestação na televisão, no horário do MDB.

Alencar Furtado – Exatamente. Eu já estava na liderança da bancada, quando surgiu um programa, pela primeira vez naqueles anos da ditadura, pois o nosso colega do Rio Grande do Sul, um jurista, nos disse “Temos uma brecha na lei e podemos requerer esse programa.” O Ulisses Guimarães subscreveu o requerimento e a Justiça Eleitoral nos concedeu o direito de falar em todas as televisões e rádios do Brasil via Embratel.

Ulisses Guimarães, como presidente do partido, Franco Montoro, como líder do Senado, Alceu Colares, como presidente da Fundação Pedroso Horta, e eu, como líder do MDB da Câmara, fomos para lá. Aproveitei a oportunidade e disse “Não posso participar de um programa desses sem denunciar à nação o que está se passando…” Aí, fiz um pronunciamento de denúncia. Coloquei a censura, a tortura, o que havia de escabroso institucionalmente e o sofrimento do povo naquele discurso. E fui cassado por isso.

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