Coluna do WilleMemória da Comunicação

Jamur Junior foi o grande nome do início da TV no Paraná


Pioneiro da televisão paranaense, Jamur Junior teve destaque no “Show de Jornal” da TV Iguaçu dos anos 1960.

Com grande audiência e formato inovador, este telejornal foi um marco na história dos meios de comunicação do estado.

A capacidade de improvisar, a naturalidade e o humor de Jamur surpreendiam e quebravam as regras da época.

Entrevista gravada em agosto de 1998, no projeto “Memória Paranaense” original. 

 

 

 

 

José Wille – Jamur, você nasceu em 1936, em Guaratuba. Vamos contar o início dessa história.

 

Jamur Junior – Vamos lá! Eu sou um guaratubano, descendente de árabe e português, um cruzamento muito bom. Lá, passei parte da minha infância e, depois, fiquei um período no interior do Paraná. Fui para Palmeira, onde comecei minha atividade profissional, já aos 12 anos de idade.

 

José Wille – Você perdeu o pai muito cedo. Foi uma infância difícil?

 

Jamur Junior – Muito cedo e foi uma infância bastante difícil. Eu perdi meu pai quando tinha seis meses de idade – e sou filho único. Minha mãe casou, logo depois, também com um viúvo de Guaratuba, que tinha quatro filhos. E do casamento desse viúvo com a minha mãe, vieram mais três filhos. Era uma família muito grande.

 

José Wille – Depois, ele morreu também e a sua mãe ficou em dificuldades?

 

Jamur Junior – Minha mãe ficou com oito filhos para criar, viúva, com bastante dificuldade. Ficou um tempo em Palmeira, onde nós estudamos. Lá, fiz o ginásio e comecei a trabalhar com 12 anos de idade, porque realmente precisávamos.

 

José Wille –  O início foi como locutor-mirim em Palmeira –  como foi essa oportunidade?

 

Jamur Junior – Eu tinha muita vontade de ser locutor de rádio. Era um sonho ser locutor! E surgiu, na rádio Ipiranga de Palmeira, um concurso de um programa de auditório para crianças. O Júlio Soares da Silva fez um concurso para escolher um locutor-mirim para ler os textos do patrocinador, que era a Caixa Econômica Federal do Paraná. E eu fui para o concurso e passei. Eles me colocaram como locutor-mirim, até que o programa acabou. Eu fui para o estúdio, até que comecei a trocar de voz – graves e agudos –  aí, já não dava mais para falar. Então, me colocaram na programação e operação de som, até que firmei a voz e voltei a ser locutor novamente.

 

 

José Wille – Voltando um pouco para Guaratuba e sua infância: na década de 40, a presença do curitibano no litoral era uma coisa difícil, por causa da distância e da estrada.

 

Jamur Junior – O acesso era muito difícil. Você, para ir a Guaratuba, ia até Paranaguá. De lá, pegava uma estrada até o rio Paraguaçu. No rio, pegava uma outra estradinha, toda revestida com conchinhas de sambaqui – terrível – e saía em Pontal do Sul. De lá, vinha pela praia até o porto de passagem, onde tem o ferry boat. No porto de passagem, você atravessava para Guaratuba na canoa do Maneco da Passagem, que, inicialmente, era a remo; depois, ele arranjou um motorzinho de popa, que pôs na canoa.

José Wille – De carro não se chegava a Guaratuba, na época?

 

Jamur Junior – Não, não! Não existia nenhum acesso de carro. Esse só veio depois, no governo de Moisés Lupion, que é considerado o grande benemérito da cidade, porque deu acesso a Guaratuba.

 

José Wille – Pela praia havia horário em que ficava fechado o acesso?

 

Jamur Junior – Ah, sim! O motorista tinha que conhecer, inclusive, um pouco da maré, porque todos os rios que desembocam na praia, com a maré cheia, levantam de nível. Subiam e aí não passava carro nenhum. E aconteceu muito de carro tentar passar, ficar e se perder por ali. Era muito difícil.

 

José Wille – O curitibano descia principalmente nas férias de julho e não no final do ano para o litoral…

 

Jamur Junior – Era muito quente e tinha muito mosquito na época. Guaratuba era uma vilazinha. Ela só existia em torno da praça. Não tinha mais nada, era só aquilo ali. Para chegar até a praia, era um caminho pelo meio do mato, que dava no mar. Não tinha casa, não tinha nada lá. E era uma época que tinha malária, muito mosquito. No verão, era insuportável! Então, as pessoas preferiam ir, as que podiam – pouquíssimas – exatamente em julho, quando tinha poucos mosquitos.

 

José Wille – Você ficou um tempo no interior, ainda trabalhando em rádio. O que fez com que você optasse por Curitiba?

 

Jamur Junior – Eu vim estudar no Colégio Estadual e também tentar dar sequência a minha carreira de locutor. Cheguei em Curitiba em 1953 e fiz uma peregrinação pelas rádios que existiam na época, que eram poucas – a Guairacá, a B2 e a Marumby. E eu tentei nas rádios, fiz teste e não passei. Fui reprovado no teste, porque eu tinha uma péssima pronúncia em inglês e, na época, exigia-se pronúncia em inglês, francês e italiano. O meu inglês era péssimo e o resto também, mas eu enganava, como a maioria. O meu examinador era um sujeito correto, exigente e muito certinho, o Ivon Cury, que veio a ser meu colega de televisão nos anos 70. Então, não consegui no rádio, mas conheci o Jair de Brito, que era discotecário e operador de som da rádio Guairacá. E como era operador de som de alto-falante da Exposição Internacional do Café, no Tarumã, onde se comemorou o centenário de emancipação política do Paraná, ele me convidou para ser locutor desse serviço de alto-falante.

 

José Wille – O que era o rádio daquela época, antes da televisão?

 

Jamur Junior – Era o grande veículo da época! O rádio concentrava as atenções de toda a sociedade. Era o tempo das novelas. Era o tempo que a rádio – como a Guairacá, por exemplo – tinha cantores líricos, tinha uma grande orquestra – a orquestra do Genésio – tinha conjuntos regionais, programas de auditório infantis, tinha Belarmino e Gabriela, tinha radioteatro. Era o que é a televisão hoje.

 

José Wille – Tinha suporte econômico para todo esse conjunto em uma emissora?

 

Jamur Junior – Não sei como eles conseguiam manter esse pessoal todo trabalhando. Pois, na verdade, o comércio de Curitiba, naquela época, era pequeno. Curitiba era uma cidade pequena. E mantinham quadros de funcionários enormes. E na B2, era a mesma coisa: tinha orquestra, conjuntos, locutores, atores, todos contratados. É difícil entender como era possível manter todo aquele pessoal.

 

José Wille – Como era a programação de rádio em Curitiba?

 

Jamur Junior – O radiojornalismo não era tão significativo. Eram jornais de leitura, apenas. Era a época de programas de auditório e de novelas. Principalmente as novelas, porque a rádio Nacional exercia uma grande influência, como a rede Globo exerce hoje, na televisão. Era pela rádio Nacional que todo mundo se balizava nas novelas, nos programas de auditórios, nos programas de calouros.

 

José Wille – Por que você deixou Curitiba na década de 50 e foi trabalhar em rádio em Paranaguá?

 

Jamur Junior – Eu encontrei dificuldades para entrar no rádio em Curitiba. Então, fui para Paranaguá. Lá, eu tinha alguns conhecidos e alguns parentes. Arranjei um emprego em uma companhia de café, a Companhia Sertaneja de Armazéns Gerais. A partir daí, fiz amizade com o pessoal do rádio e entrei na Rádio Difusora de Paranaguá. Comecei a trabalhar lá e a jogar futebol. Eu batia uma bolinha mais ou menos e aí conheci o Helio Alves. Eu jogava no Seleto de Paranaguá como aspirante e fiquei lá do final de 1956 até 1957. Em 1957, estimulado por amigos que diziam que eu tinha condições de ir para frente, vim para Curitiba e fiz um teste na rádio Cultura. Passei e fiquei na Cultura até a entrada da televisão, em 1960.

 

José Wille – Qual era sua atividade na rádio Cultura?

 

Jamur Junior – Eu era disk jockey – o cara que apresentava e comentava discos. E apresentava o grande jornal da Cultura, o jornal de maior audiência no rádio do Paraná na época. Apresentávamos eu, o Mauro de Alencar, o Souza Miranda e o Ciro César. E tinha a participação de um repórter, que era o Osman de Oliveira, e um comentarista, que era o Garcia Redonda. Esse era o grande jornal e a cidade parava para ouvi-lo a partir das dez horas da noite. Naquele tempo, a rádio Cultura era a única que transmitia dia e noite. Eu entrava às dez na rádio Cultura, fazia o jornal e saía à meia-noite, quando entrava o Zé Vicente. Este ia até as três da manhã, quando entrava o Souza Dias, que, por sua vez, ia até as seis da manhã. Então, entrava o falecido Camargo Amorim, que ia até as nove da manhã. Uma certa noite, porém, chegou a hora de ir embora. Eu saía correndo para pegar o último ônibus, porque morava no Juvevê e, se eu perdesse aquele, tinha que ir a pé. Aí, o Zé Vicente me telefonou do hospital São Lucas, dizendo que estava nascendo o seu primeiro filho – “Você quebra o galho para mim e fica até entrar o Souza Dias?”. E eu fiquei até as três da manhã. Das dez às três da manhã. Quando chegou três da manhã, o Souza Dias me liga e diz “Estou me preparando para o vestibular. Você fica até as seis da manhã, quando entra o Camargo Amorim?”. E eu fiquei até as seis da manhã. Das dez às seis da manhã. Eu não aguentava mais e não podia encher de música para tocar, pois, a cada música, você tinha que dar, no mínimo, a hora certa. Eu já estava com fome e falei isso para os ouvintes. Alguns me levaram café e sanduíche de madrugada. E quando me preparava para sair e ir dormir, a mulher do Amorim me ligou e disse “Ele está com uma crise muito forte de asma e não pode ir trabalhar.” Aí, eu pensei “Agora eu vou até as nove, quando chega o Souza Miranda.” E ele não chegou… Tomou um porre na noite anterior, estava de ressaca e não veio. Então, eu fiquei até o meio-dia do dia seguinte na rádio. Foi um recorde de locução na história da rádio Guairacá.

 

José Wille – E você teve uma passagem também por Florianópolis antes de se firmar no rádio paranaense.

 

Jamur Junior – Em 1958, o Manuel de Menezes, que tinha a rádio e o jornal “A Verdade” em Florianópolis e era jornalista, escritor e político, veio aqui convidar a mim e ao Souza Miranda para irmos trabalhar lá com ele. Eu fiquei quase um ano inteiro. O Miranda continua até hoje lá. Eu trabalhei dois ou três meses na rádio dele, mas houve problemas políticos e incendiaram a rádio. Fomos para a rádio Diário da Manhã e trabalhamos lá durante quase um ano. Voltei para Curitiba em 1959 e fiquei um tempo na Cultura. Em seguida, houve a inauguração do Canal 12 e me convidaram para trabalhar lá.

 

José Wille – Como foi participar da primeira televisão paranaense, o Canal 12?

 

Jamur Junior – O pessoal da televisão, na verdade, veio todo do rádio. Tinha um pouco mais de afinidade, então eles iam buscar profissionais no rádio. E eles precisavam, no Canal 12, de um locutor de cabine, um locutor comercial, e por isso me convidaram. Em off, só narrando… Depois, comecei a fazer comerciais de um programa chamado “Aventura Submarina” e fazia os comerciais da vodka Orloff.

 

José Wille – Aí você já aparecia no ar?

 

Jamur Junior – Já! Inauguraram o jornal, que era “O Estado do Paraná na TV”, à noite. E, ao meio-dia, tinha  “A Tribuna na TV”. E eu passei a apresentar também esses jornais. Eu fazia comercial, apresentava o jornal, entrevistas… Naquele tempo, fazia-se tudo, tinha que se fazer tudo. Tinha que ser meio eclético, pois não tinha especialista em nada na época.

 

José Wille – Você tinha uma vantagem  não tinha medo, não ficava nervoso com a televisão. Você tinha uma desenvoltura natural. Essa foi a grande razão do seu sucesso?

 

Jamur Junior – Se houve sucesso, eu acho que talvez tenha sido por isso. Eu nunca tive medo de não cumprir bem a minha tarefa. Nunca fiquei nervoso perante o público, nem na frente da câmera e nem em apresentações que eu fiz, em comícios ou shows que apresentei. Sempre encarei com naturalidade. Com muita tranquilidade.

 

José Wille – É algo que você desenvolveu ou já era natural?

 

Jamur Junior – Não. Natural, natural! Mesmo na televisão, nos primeiros comerciais que fiz, nos davam até a liberdade de improvisar em cima do texto. Era ao vivo e você tinha que ter alguma facilidade para improvisar e uma certa agilidade para suprir algumas deficiências de momento. Pifou uma coisa, não caiu um slide, o filme não entrou, você tinha que improvisar. Tem até uma história que eu presenciei, com o William Sade, que mostra bem como funcionava isso. Ele foi apresentar o sofá-cama Gomes, no Canal 6, que era uma novidade. E ele dizia “Sofá-cama Gomes, um leve toque e ele se transforma em cama”. E um leve toque e mais um leve toque e ele não se transformou! Ele olhou para a câmera e disse “Esse aqui está com problema, mas o que está na fábrica é uma beleza! Funciona perfeitamente…”. Então, o cara tinha que ter isso!

 

José Wille – E você tinha ousadia, você conseguia improvisar.

 

Jamur Junior – Tinha! Eu era, às vezes, excessivamente ousado. Às vezes, brincava demais, mas eu não conseguia segurar essa coisa, porque, na verdade, nunca fui um ator. Muito embora o nosso papel no jornal fosse mais de ator e locutor do que de jornalista, é claro, eu não fazia nenhum esforço, nenhum trabalho, nenhum laboratório para ser ator. Eu era na televisão o que eu sou sempre. Sempre fui um cara bem-humorado, brincalhão, gozador, piadista. Eu tenho PhD em piadista e apelidador, porque tenho um estágio muito longo em Paranaguá. Eu vivi muitos anos parte da minha juventude  em Paranaguá, ali na praça, ouvindo piada, brincando. Então, sempre fui assim. Sempre fiquei muito à vontade na televisão, sem preocupação com a câmera, sem nervosismo. Eu nunca tive isso.

 

José Wille – E como era quando se encontrava na televisão com outro brincalhão, como o Maurício Fruet?

 

Jamur Junior – Era uma farra! O Maurício, nesse período de início da televisão, fazia o “12 no Esporte”. Ele entrava correndo no estúdio, cruzava os braços, olhava para a câmera e disparava “O Coritiba treinou hoje, blá, blá, blá, O Atlético não sei o quê, não sei o quê…”. Largava tudo aquilo e boa noite e até amanhã. Era assim o noticiário “12 no Esporte”. O patrocinador do programa era a Recauchutagem Rex, Eu fazia o comercial bem no intervalo. Ele fazia um break, eu entrava no intervalo e fazia o comercial. Eu aparecia com um macacão de mecânico onde estava escrito “Recauchutagem Rex” e uma pilha de pneus ao lado. E o Maurício, toda vez que falava sobre um time de futebol ruinzinho, ele me escalava de ponta-esquerda ou de ponta- direita: “O time lá não sei de onde jogou com fulano, fulano, fulano e Jamur”.  Um dia, eu pensei “Vou me vingar desse caboclo.”. A câmera só pegava do peito para cima e ele ficava de pé, perto de um painel. Ele começou o programa e eu peguei um pneu e rolei para cima dele. E ele, com o pé, defendeu o pneu. Aí, eu joguei vários e ele defendeu todos. Por azar dele, alguns pneus vinham de volta e eu os jogava novamente. Terminou o programa e ele estava mais cansado que jogador de futebol. Mas levou até o fim do programa. Era muito gozado!

 

José Wille – Você passou por alguma situação difícil ou viu gente que tinha branco na hora de fazer sua apresentação?

 

Jamur Junior – Sim. O branco na televisão era terrível! Eu lembro de uma moça no Canal 6 que foi fazer uma propaganda da Móveis Cimo. Então, eles montaram no estúdio um quarto de casal. Tinha o roupeiro, a cama, um criado-mudo e ela do lado, ao vivo. Como não existia videotape, ela tinha que entrar e dizer “Móveis Cimo é tal coisa”. Ela entrou toda sorridente e disse “Móveis Cimo…” e esqueceu o texto! “Móveis Cimo…”, “Móveis Cimo…” e se jogou em cima da cama e começou a chorar. O diretor, acho que era o Rubens Cortese, pegou e focou nela ali chorando. Foi a maior farra que eu vi! De outra que lembro foi uma moça que treinou durante uma semana um texto para a loja Bettega. O Camargo me pediu para produzir a moça, que era muito bonita, e queria que ela fizesse o comercial da loja dele, no Canal 12, que ainda era na rua Emiliano Perneta. Então, eu fiz um texto para a moça e ela decorou, decorou, decorou… Ela dizia o texto e eu “Não, minha filha, seja mais suave e tal.”. Quando ela estava ótima, fomos para o Canal 12. E a moça firme. Quando o câmera disse “Atenção, no ar!” e ela – silêncio por um tempo – “Ih, Jamur. Esqueci…”.  Essas coisas aconteciam.

 

José Wille – Você passou por alguma situação difícil?

 

Jamur Junior – Eu inventava na hora, sabe? Como aconteceu uma vez: muito calor, um calor danado no estúdio e eles colocaram ventiladores. De repente, o ventilador mandou todos os papéis longe. Ou, quando apresentava o jornal no Canal 4, do qual participava Paulo Pimentel, que era o dono da televisão. Ele estava entrando pela primeira vez na televisão – isso em 1984. Era o Paulo Pimentel, eu, a Cida, o Wilson Almeida e o Algaci Tulio. Estragou a máquina xerox da televisão e não dava para fazer as cópias. Então, eles mandaram fazê-las no cartório que ficava a mais ou menos quinhentos metros dali. Um rapazinho fazia a cópia e outro ia até a televisão para entregá-las. Mas o cara não chegou em tempo! Então, fiz a metade do jornal de improviso. Eu inventei a metade do jornal! Tudo o que eu estava dizendo ali estava inventando naquele momento!

 

José Wille – Conversando com o telespectador?

 

Jamur Junior – Eu fiquei inventando durante sete minutos no ar! A previsão do tempo eu inventei. Falei de coisas que lembrei de ter lido no jornal de manhã: caiu um avião em Bangladesh e morreram tantas pessoas… Até que chegou o roteiro. Aí, anunciei um intervalo comercial para poder montar aquilo e começar o jornal de fato.

 

José Wille – A primeira instalação do Canal 12 era realmente uma kitchenette?

 

Jamur Junior – Era uma kitchenette! O dr. Nagib Chede – rendo minhas homenagens a esse pioneiro da televisão, homem fantástico, que teve uma coragem extraordinária – tinha uma kitchenette no último andar do Edifício Tijuca, no vigésimo andar. Ele comprou a do lado, abriu a parede e montou ali a televisão. Então, acho que foi a primeira televisão de kitchenette do mundo! Era uma dificuldade brutal para fazer.

 

José Wille – E grande parte dessa programação era ao vivo?

 

Jamur Junior – Tudo ao vivo! Como não existia videotape, tinha que ser tudo ao vivo. Nesse estúdio da kitchenette, faziam programa de entrevista, programa musical, com conjunto musical, com solistas, jornal, faziam teatro… Patrícia Fabiani fazia teatro lá em cima, montava o cenário em um espaço pequeno e era uma briga com o síndico do prédio. O pessoal da montagem subia pelo elevador junto com os moradores do prédio, com uma palmeira, um vaso, cadeira, gato, cabrito, tudo para montar o cenário lá em cima! Era uma loucura fazer teatro naquele lugar, mas faziam.

 

José Wille – “O Estado do Paraná na TV”, o jornal que você apresentava no início, era simplesmente uma leitura do material que sairia no jornal do dia seguinte?

 

Jamur Junior – Era só isso. O pessoal compilava as notícias ou colava em um papel ou dava cortadinho e você ia lendo aquilo na frente da câmera. Não tinha mais nada, só aquilo. Naquele tempo, as notícias vinham por teletipo, eles passavam no mimeógrafo e a cópia vinha muitas vezes borrada – era difícil de ler o que estava ali. A gente se perdia, tinha que improvisar, era uma coisa maluca.

 

José Wille – E as brincadeiras na televisão? Havia alguma resistência no começo, quando você chegou com as piadas?

 

Jamur Junior – Não, não! A gente ria com naturalidade na televisão. Aconteceu uma coisa muito interessante no Canal 12, no fim de 1961. Eu apresentava o jornal “O Estado do Paraná na TV”, junto com o Menghini e o Alcides Vasconcellos. Estava muito quente, o ambiente no verão era terrível, com aquelas lâmpadas de 1.000 watts, que deixava a coisa insuportável. Então, tinha que abrir todas as janelas para ventilar o ambiente, o que atraía muita mariposa noturna. Enchia aquilo ali! E lembro que eu ia dar uma notícia sobre Juscelino Kubitschek de Oliveira e, quando abri a boca para falar, uma mariposa entrou nela. E eu engoli a mariposa! Todo mundo percebeu, porque o Alcides, que estava na frente da câmera, riu e o Menghini saiu dando gargalhada pelo corredor. Eu continuei lendo a notícia. Era muito engraçado!  Faziam-se brincadeiras e as pessoas riam na frente da câmera com naturalidade. Acontecia alguma coisa, você dava risada e o telespectador se perguntava do que o cara estava rindo. Mas, depois, começamos a fazer com que o telespectador entendesse, porque a gente ria e ele não ficava fora da brincadeira. E todo mundo aceitava isso e gostava.

 

José Wille – Em 1967, veio a TV Iguaçu, do então governador Paulo Pimentel. O que significou o “Show de Jornal”, que foi um sucesso durante muitos anos?

 

Jamur Junior – O Canal 4, a TV Iguaçu, realmente foi uma nova etapa da televisão. Foi a primeira emissora com uma sede própria e projetada para ser televisão. Até então, tínhamos o Canal 12, que funcionava em uma kitchenette e, depois, em uma garagem na Emiliano Perneta. E o Canal 6, que funcionava no subsolo de um prédio na José Loureiro. O Canal 4 foi um projeto do Ayrton Cornelsen próprio para a televisão. A estrutura era muito moderna e o equipamento era de última geração, importado da Marconi inglesa, que era o que tinha de melhor no mundo na época. Então, era tecnicamente perfeito. E veio com uma filosofia nova de trabalho, com muito profissionalismo, utilizando, é claro, a experiência dos profissionais que já tinham praticamente 6 anos de televisão no Paraná. Trouxeram o que tinha de melhor na televisão para a TV Iguaçu e ela, realmente, desenvolveu uma fase muito auspiciosa, uma fase que foi caracterizada como a melhor da televisão local do Paraná.

 

José Wille – E para você, profissionalmente, foi a sua melhor fase, quando você pôde desenvolver sua criatividade e descontração?

 

Jamur Junior – Foi no “Show de Jornal”. O programa nasceu de uma ideia do Ducastel Nicz, que foi seu primeiro diretor. Ele estruturou o jornal e montou uma equipe extraordinária, da qual participaram Adherbal Fortes, Hugo Santana, Francisco Camargo, Hélio Puglielli, Roberto Maranhão… Quer dizer, era a nata do jornalismo local, os melhores redatores, os melhores criadores que existiam na televisão. O “Show de Jornal” tinha uma estrutura de produção sensacional, que nunca mais houve igual no Paraná. O que era o “Show de Jornal”? Como, na época, não tinha ilustração, não tinha videotape, não tinha satélite, era um texto muito bem feito e muito bem interpretado. A equipe era de locutores que sabiam interpretar textos. Eram praticamente atores na frente da câmera, interpretando claramente um texto, com boa inflexão, com boa dicção, com um bom ritmo de leitura e com uma boa expressão facial. Então, era um trabalho muito de ator na frente da câmera.

 

José Wille – A imitação, a facilidade que você tinha de imitar políticos, foi possível no formato do “Show de Jornal”?

 

Jamur Junior – Eles davam toda essa liberdade e até criavam coisas no texto para você fazer estas imitações. Você ia transmitir, por exemplo, uma declaração do Ney Braga  – eu fazia isso imitando a voz do Ney Braga.

 

José Wille – E os imitados, como reagiam?

 

Jamur Junior – Ah, reagiam bem, gostavam, adoravam! Por exemplo, eu imitava o falecido Zé Milani, presidente da federação, e isso fazia diferença com relação aos outros jornais da televisão. Era um jornal descontraído, que tinha muito bom humor, mas que também era crítico, picante, que brigava, um jornal que não perdoava. Quando acontecia alguma coisa na rua, o cidadão já dizia “Eu quero ver o que o ‘Show de Jornal’ vai dizer disto”. Ele sabia que, à noite, estaria lá no “Show de Jornal”.

 

José Wille – Com a fama de apresentador “cara-de-pau”, houve algum problema para você?

 

Jamur Junior – Ah, teve muito problema! Durante uma greve de professores, nós na televisão tivemos uma posição que era a posição da empresa, não totalmente favorável à greve, porque o governador era o dono da televisão. Então, no “Show de Jornal” fazia-se não uma crítica à greve, mas não lhe dava muita colher-de-chá. Um dia, eu estou passando na Boca Maldita e uma professora me passou um sabão. Ela levantou uma sombrinha e dizia que ia me quebrar a cabeça. E é claro que eu corri! Outra vez, tinha um técnico do Coritiba, o Filipo Nuñes, um argentino, de quem a gente gozava muito no jornal, ridicularizava o cara. Um dia, eu estou com o Haroldo Lopes, descendo ali na frente do Tribunal de Contas, e vinham duas moças. Uma delas era a mulher do treinador, que eu não conhecia, e ela veio xingando e rodando uma bolsa. E nós demos no pé!

 

José Wille – Como o Ney Braga recebia as críticas, porque a emissora era do Paulo Pimentel, que estava brigado com ele?

 

Jamur Junior – Houve, sim, um desentendimento entre eles. E a televisão andou fazendo algumas críticas ao Ney Braga. Foi num período desses que até houve um afastamento, pois nós éramos amigos. Sou amigo até hoje dele, adoro o Ney Braga e o acho uma das figuras mais maravilhosas do Paraná. Mas, nesse período, eu era o profissional na televisão cumprindo o meu papel. E me lembro de uma coisa engraçada que eles fizeram para criticar o Ney Braga: era alguma coisa que ele teria dito a um secretário e que não estava de acordo com os figurinos da época. Aí, aparece uma imagem do Ney Braga e a minha voz, imitando-o e dizendo “Cúnico, que mancada, não?”. Ele não gostou. E nem a dona Nice gostou da brincadeirinha. Aí, passado algum tempo, a turma do “Show de Jornal” estava em um baile de chopp no Clube Concórdia em uma mesa reservada para nós, do lado de Ney Braga e dona Nice. E ela me passou um pito, de dedo! O Ney, então, olhou e disse “Calma, Nice. Calma…”.

 

José Wille – Como era a repercussão na cidade e a audiência do jornal?

 

Jamur Junior – Era muito grande. Eu me lembro de números na casa de 80%. Eram coisas extraordinárias! A cidade parava para ver o “Show de Jornal”, porque era o referencial de todo mundo.

 

José Wille – Houve uma fase também em que Paulo Pimentel estava contra o governador indicado na época, o Leon Peres, em 1970, e houve uma campanha contrária a ele na TV Iguaçu.

 

Jamur Junior – Essa foi uma campanha difícil. Nós estávamos no período revolucionário e o Leon Peres, governador indicado pelo presidente, cometeu a besteira de agredir o Paulo Pimentel verbalmente, e a televisão passou a atacá-lo. E nós, no “Show de Jornal”, toda noite, criticávamos o Haroldo Leon Peres. Aí, a polícia dele invadiu a televisão com metralhadora para levar fita de videotape do jornal. E o Paulo Pimentel dizia “Você vai ter que me prender ou me matar, mas a fita eu não entrego”. Ele enfrentou desta maneira a polícia, que não levou coisa nenhuma.

José Wille – E o governo do Leon Peres não durou muito, pois acabou sendo afastado.

 

Jamur Junior – Mais uns 8 meses…

José Wille – O Canal 4 era uma emissora afiliada da Rede Globo, no começo da década de 70. Quando a rede chegou ao Paraná, mudou muita coisa?

 

Jamur Junior – Com a Globo, mudou bastante a programação. Em compensação, diminuíram os espaços para a programação local. Ficamos com pouquíssimas coisas. O “Show de Jornal” permaneceu, bem como o jornal do meio-dia e aqueles programinhas de tarde que a Globo permitia. Mas, à noite, na programação nobre, já não se fazia nada local. Eram só programas da Globo.

José Wille – O “Show de Jornal” conseguiu manter seu horário?

 

Jamur Junior – A Globo insistiu muito para tirar o “Show de Jornal” e tirar também o jornal da hora do almoço, para botar a programação integral dela no ar. Eles tinham, na época, no horário do “Show de Jornal”, um jornal com o Heron Dominguez. Eles insistiram tanto que o Adherbal e o Renato convidaram o Armando Nogueira e a Alice Maria para vir a Curitiba discutir o assunto e verificar o que se fazia aqui, pois não dava para tirar do ar um programa que era líder de audiência. Eles vieram, ficaram dois dias aqui, acompanharam a feitura do jornal e saíram convencidos de que a TV Iguaçu tinha razão – ela não podia tirar do ar aquele programa.

 

José Wille – Você foi convidado a trabalhar na Globo, no Rio de Janeiro, nessa época. Por que não foi?

 

Jamur Junior – Por um pouco de caipirismo, comodismo e covardia. Eu sou um sujeito muito de raízes. Deu medo de me mandar para o Rio de Janeiro, com filho pequenininho. Aqui, é tão fácil, tão bom – tem minha família, meus amigos… A minha mulher também não gostou muito dessa história, de me ver lá no meio de tanta bailarina bonita nos corredores. Não fiquei entusiasmado e disse que não queria ir. Na época em que me convidaram, saíra da Globo o Hilton Gomes e entrou o Sérgio Chapelin nessa vaga. Eu preferi ficar aqui. Depois disso, veio também um convite para ir a São Paulo. Em São Paulo, apresentava o “Jornal Nacional” o Lívio Carneiro, que era excelente locutor. Ele era delegado de polícia e teve um problema com a direção da emissora. Houve uma nota que dava uma pancada na polícia, pois a polícia fizera uma coisa errada. Ele, como delegado, achou que não devia ler aquela notícia contra a polícia. Então, botaram-no na rua. Mas, quando me convidaram, eu não quis ir.

 

José Wille – Também para Porto Alegre houve um convite. Você chegou a ir para lá?

 

Jamur Junior – Para Porto Alegre, eu fui. Fui logo após o encerramento de uma fase muito boa da programação da TV Iguaçu. Quando tínhamos aqui “O Grande Desafio”, um dos maiores programas da televisão, que era uma gincana entre Porto Alegre e Curitiba. Eu apresentava aqui e o Mendes Ribeiro apresentava lá.

 

José Wille – Foi quando começou a possibilidade da transmissão de TV à distância via micro-ondas…

 

Jamur Junior – Foi a primeira transmissão no Sul. A Embratel inaugurou o link do Sul e nós fizemos essa transmissão junto com a TV Gaúcha. Quando terminou o programa, a TV Gaúcha me convidou. Como eu estava meio incompatibilizado com o gerente de programação da TV Iguaçu, que não me tratou muito bem durante esse programa, e como o convite era muito bom – financeiramente, era ótimo – fui para a TV Gaúcha. Fiquei lá por quase um ano. Aí, fui convidado a voltar para o “Show de Jornal”, com uma proposta espetacular, e voltei para Curitiba.

 

José Wille – Mas a programação local foi acabando com a formação das redes nacionais. E o mercado de trabalho foi se tornando muito restrito.

 

Jamur Junior – A gente sentiu que a entrada do videotape eliminou um pouco o trabalho. A formação de redes acabou com a programação das emissoras locais. Quando se formaram as redes, acabaram-se a programação, o talento local e o mercado de trabalho. Aí, cada um começou a procurar outras atividades – agências de propaganda, jornais – e ficamos praticamente sem trabalho. Eu trabalhei ainda até 1996 e, depois, deixei a televisão. Achei que não tinha mais nada o que fazer na televisão, pois, com 36 anos no ar, já tinha feito tudo. A televisão mudou muito também em termos de comercialização e eu achei que estava na hora de parar.

 

José Wille – O espaço do comunicador local foi acabando…

 

Jamur Junior – O próprio jornalista, que tinha um peso muito grande dentro da comunicação daquela época, passou a ser uma figura inexpressiva dentro da programação. Porque, hoje, você recebe tudo pronto de toda parte. Então, houve uma desvalorização desse profissional.

 

José Wille – No auge de sua popularidade, que foi no começo da década de 70, você se candidatou a deputado estadual e quase conseguiu ser eleito.

 

Jamur Junior – Faltaram 200 votos ou coisa parecida.

 

José Wille – Você teve quase 10 mil votos?

 

Jamur Junior – Fui o terceiro mais votado em Curitiba. Foi uma candidatura engraçada, porque eu não tinha entusiasmo. Quando me perguntavam “Você quer ser candidato?”, eu dizia “Nããããão!” – “Mas você é um cara popular, vai se eleger! É fácil se eleger! Você apresenta um programa de 80% de audiência e tal. Vamos registrar tua candidatura e você vai ser candidato…”. E me convenceram. Só que eu não tinha dinheiro, não tinha esquema político, não tinha um vereador, não tinha um prefeito – todos aqueles componentes que são fundamentais para você alavancar uma candidatura. E eu saí só com a minha popularidade. Três meses antes, tive que sair do ar e ir às ruas de Curitiba perguntando “Tem candidato? Então vote em mim e tal”. E não consegui me eleger. Fiquei como primeiro suplente durante quase três anos e não me deram chance de entrar.

 

José Wille – A popularidade pode ser um fator importante para impulsionar a carreira política, mas não é tudo?

 

Jamur Junior – É importante para impulsionar, mas dizer “Eu me elejo só com a minha popularidade”, isso não! Tem que ter um esquema. Você tem que ter cabo eleitoral, você tem que ter um veículo, tem que ter um esquema de combustível, pagar gente para fazer propaganda, ter apoio do prefeito e do vereador… Quando o cara está no poder, é outra coisa – tem toda uma estrutura para ele. Se não está no poder, tem que ter uma estrutura própria.

 

José Wille – Conseguindo quase 10 mil votos, você pensou em uma segunda candidatura, em tentar novamente, ou achou que não valia a pena?

 

Jamur Junior – Eu não quis mais. Várias vezes insistiram. Pessoas como o Saul Raiz, quando era prefeito, e o Affonso Camargo me diziam “Você foi muito bem votado, agora você já tem experiência, monta um esquema melhor”. Mas eu perdi o entusiasmo. Não quis saber mais.

 

José Wille – E você participou de muitos programas do TRE, apresentando outros candidatos, como Paulo Pimentel.

 

Jamur Junior – Na campanha do Paulo Pimentel, eu fui o apresentador oficial dos programas do TRE. Até tem um episódio curioso: eu trabalhava nos Diários Associados, TV Paraná Canal 6, e o dono da televisão passou uma ordem “Aqui todo mundo é Bento Munhoz da Rocha Netto”. Eu disse que, na frente da câmera, eu era o que eles quisessem, mas lá fora eu era Paulo Pimentel. E fui mandado embora. Fui escalado, então, para apresentar os candidatos no programa do TRE, que era ao vivo, e fui para o Canal 6. Aí, o segurança disse “Você não pode entrar aqui. É ordem da direção, que diz que aqui você não entra!” – “Mas eu estou representando o candidato!” – “Não. Aqui você não entra!”. E foi um alvoroço, entrou a Justiça Eleitoral, pediram proteção do Exército para garantir a minha presença lá. E foi garantido pela Justiça que consegui apresentar no Canal 6 os programas do TRE.

 

José Wille – Como era a apresentação dos candidatos – por exemplo, como tratar com candidato que ficava nervoso, já que era você que conduzia o programa?

 

Jamur Junior – Eles ficavam apavorados, porque televisão era uma novidade. Câmera, então, o sujeito tremia! Era uma coisa terrível! Tinha cabra que chegava na frente da câmera e não sabia o que falar, dava branco. Teve um episódio curioso, mas esse foi na campanha do Ney para o Senado. Eles me mandaram coordenar a apresentação dos programas da Arena, em Londrina, na TV Coroados. Aí, me colocaram no hotel Ferrareto e eu conversava com todos os candidatos a deputado estadual e federal que participavam do programa. Dizia “Você vai ter tantos minutos. É uma entrevista ou é um texto que você vai ler…”. Mostrava como era, para descontrair o candidato. Chegou um candidato – eu lembro bem – e disse “Comigo, o senhor não se preocupe, pois eu sou advogado. Sou homem de júri”. Chegou a hora do programa, estou sentado na frente da câmera e esse candidato ao meu lado. Eu disse “Meus amigos, vou apresentar para vocês um homem, um advogado que defende o povo e que, por certo, vai defendê-lo também na Assembleia, um homem que merece o seu apoio e seu voto”, fazendo uma introdução para levantar o camarada. Quando eu estava na metade da locução, vi o arrastar da cadeira e ele saindo de fininho. Sumiu! E eu fiquei sozinho na frente da câmera! Tive que improvisar e dizer tudo – “Olha, mas o homem a quem eu me referia, infelizmente, não pôde vir, e não sei o quê…”. E, depois que terminou o programa, eu o encontrei na sala do diretor, tomando água com açúcar.

 

José Wille – Uma experiência nova na televisão foi o programa “Frente a Frente”, em que o Sul do Paraná disputava com o Norte, a TV Tibagi e a TV Iguaçu, com um apresentador em cada região, dividindo a tela ao meio, ao vivo.

 

Jamur Junior – O “Frente a Frente” foi em uma segunda fase de “O Grande Desafio”, originalmente feito com Porto Alegre, que nasceu de uma ideia da TV Gaúcha de fazer um programa semelhante à batalha do Rio do Prata. Este programa era feito entre Buenos Aires e Montevidéu e parece que teve um só, pois quebrou o pau, entrou até embaixador, eles se xingaram e não deu certo. Então, a TV Gaúcha resolveu fazer, como o Paraná, que já tinha o sistema de micro-ondas, “O Grande Desafio”, com o Mendes Ribeiro apresentando lá em Porto Alegre e eu apresentando aqui. Era uma gincana, uma disputa entre gaúchos e paranaenses, um desafio intelectual, esportivo, de força, de curiosidades. Quem era melhor nisso e naquilo. Marcavam pontos, disputavam uma taça… Era um programa interessante, de grande audiência. Então, fizemos o “Frente a Frente”, que eu apresentava com o Haroldo Lopes, aqui no Paraná. Depois, houve uma outra fase, que foi com Santa Catarina.

 

José Wille – E essa experiência: como era o diálogo à distância, pela televisão?

 

Jamur Junior – Esse foi o programa mais difícil que eu apresentei em toda a minha carreira de homem de televisão. Exigia atenção no que estava acontecendo no Rio Grande do Sul, o que estava se dizendo, o que ele estava perguntando para alguém lá. Eu tinha que ficar atento a isso, ao monitor, ao pessoal da minha produção, ao pessoal que participava aqui do programa e ao relógio. Era uma coisa terrível! O programa tinha uma hora de duração e dava a impressão que você tinha ficado 10 horas no ar! Você saía moído, uma tensão brutal! E você tinha que estar ligado, pois era uma disputa e você estava defendendo o Paraná. Até hoje, encontro pessoas que fazem referência a um episódio especificamente, que ficou bem marcado. Fazíamos disputa de braço-de-ferro entre um gaúcho e um paranaense. “Isso é fácil para um gaúcho, porque aqui é terra de macho” – disse de lá o Mendes Ribeiro – “Aqui é tudo macho, Jamur!”. E eu disse “Aqui, não. É metade macho e metade fêmea e a gente gosta muito!”. Foi uma festa! Os caras lembram até hoje desse episódio. Tinha que ter essa presença de espírito para dar um certo ritmo ao programa e mantê-lo em alto astral, com bom humor, para não se transformar em uma guerra. Se não, daqui a pouco, dava gaúcho aqui a cavalo invadindo o Paraná e paranaense matando gaúcho.

José Wille – Rapidez de raciocínio – isso talvez tenha ajudado muito na sua carreira?

 

Jamur Junior – Tinha que ser mais ou menos um repentista, que pega o mote e faz o verso.

 

José Wille – O que representou a saída da Rede Globo da TV Iguaçu, que aconteceu por volta de 1976?

 

Jamur Junior – Naquele momento, eu já não estava na TV Iguaçu. Mas eu acompanhei, porque eu trabalhei em outras emissoras e – uma coisa estranha – nunca consegui me desligar da TV Iguaçu. Para mim, foi uma coisa traumática, uma coisa horrível! A maior agressão que já se cometeu contra uma empresa foi a retirada abrupta da programação da Globo da TV Iguaçu e o fechamento da rádio Iguaçu.

 

José Wille – Isso vinha da briga de Paulo Pimentel e Ney Braga, que tinha força em Brasília?

 

Jamur Junior – Foi o presidente Geisel quem determinou que isso acontecesse. Foi uma coisa terrível, pois, de um dia para o outro, a emissora ficou sem programação. Não tinha nada para fazer, sem anunciante, sem programação. Aí, tem que se dar valor ao Paulo Pimentel, pela garra, pela força de vontade, pois, realmente, ele é um guerreiro. Nesse período difícil, não tinha faturamento, ninguém anunciava, os intervalos da televisão não tinham anunciante algum, cortaram tudo. Era a força do poder do governo federal e do governo estadual contra uma empresa. Aquela coisa de “se você anunciar lá, amanhã te corto da licitação”, “se você anunciar lá, amanhã vai fiscalização.” Corria todo mundo. Dos grandes anunciantes, o único que ficou na TV Iguaçu foi Hermes Macedo. O dr. Hermes disse “Na minha empresa, mando eu. E eu anuncio na TV Iguaçu, do Paulo Pimentel, porque é uma boa televisão”. O Paulo Pimentel, com toda essa dificuldade, nunca atrasou um dia o pagamento dos seus funcionários e dos seus fornecedores. Vendeu fazenda, vendeu gado, mas manteve a turma toda lá.

 

José Wille – O envolvimento com a política, o fato de ser um político e um empresário simultaneamente criava uma situação complicada

 

Jamur Junior – O Paulo Pimentel foi vítima disso. Ele já não estava mais no poder. Era apenas empresário, mas incompatibilizado com o grupo político que era antagônico naquele momento.

 

José Wille – Essa nova situação da televisão, depois de tanto tempo, com mais de 30 anos no ar, tornou-se desanimadora?

 

Jamur Junior – 36 anos! Eu cheguei à conclusão que não tinha mais espaço para fazer aquelas coisas que eu gostava de fazer, muito bem feitinhas, bem acabadinhas, de bom gosto – com muita luta, com muita dificuldade, mas as coisas eram bem feitas na televisão. Aí, comecei a ver que a coisa caiu muito. Você vê uma falta de criatividade, de talento, coisas muito grosseiras, excesso de violência, a sacanagem televisiva… Essa coisa me abateu muito e eu pensei “Não é para mim isso aqui, não!”.

 

José Wille – A nova forma de se fazer televisão, com o videotape, tirava a possibilidade de explorar o seu talento com o improviso e o humor?

 

Jamur Junior – Tirou bastante, porque ocupou os espaços, começou a dificultar. Aí, tive que me reciclar. Depois da fase do jornal, passei a fazer outro tipo de jornalismo, mais sóbrio. Na verdade, na última fase, eu era mais comentarista, fazia mais comentários na televisão, saí daquela fase de noticiarista. Comentava fatos da cidade e essas coisas. E entrevistava. Em todo o programa que eu fazia, sempre tinha entrevista. Era isso que eu fazia.

 

José Wille – Você agora fica mais tempo em Guaratuba ou se divide entre Guaratuba e Curitiba?

 

Jamur Junior – Guaratuba e Curitiba. Em Curitiba, faço a coluna com o Hugo Santana, no jornal “O Estado do Paraná”, sobre política. É a única atividade profissional que tenho. A outra que tenho é a de pescador. Essa é, invariavelmente, no fim de semana em Guaratuba. Na quinta-feira, já começo a ficar nervoso. Vou embora para Guaratuba. E volto domingo à noite ou segunda-feira de manhã.

 

José Wille – E depois de tanto tempo correndo, você começa a desacelerar?

 

Jamur Junior – Ah, eu tenho que descansar! Eu tenho que reduzir! Li uma vez – acho que de um político mineiro – que, quando você passa dos 60, tem que puxar o freio de mão, economizar inimigos e levar a vida no bom humor e na alegria. Porque o teu capital de vida ficou mais curto. E você tem que usar muito bem esse pequeno capital.

 

 

 

 

 

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