Fatos Históricos

O antigo mar de Ponta Grossa no Paraná

O planeta Terra está sempre em mudança. Locais que hoje tem altitude elevada, como Ponta Grossa no Paraná, já tiveram mar. Veja a explicação de Riad Salamuni, já falecido. Ele foi um dos mais importantes geólogos brasileiros. Nesta entrevista, de 1997, ele fala dos mares antigos no Paraná.

A imagem acima é uma reconstituição artística de Ariel Milani Martine, na Revista Ciência Hoje. E mostra como seria a vida em um mar de 350 milhões de anos no interior do Brasil, com uma fauna variada de trilobitas, moluscos, crinoides e corais.

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Fósseis em Ponta Grossa PR.

 

José Wille – Como foi o estudo que o senhor desenvolveu na cidade de Ponta Grossa, observando uma região que já foi mar em épocas remotas? 

Riad Salamuni – O que me despertou a curiosidade naquela área, quando era menino ainda, no primeiro ano do ginásio, foram os restos de animais marinhos que se encontravam quando se cavavam poços em Ponta Grossa. Esses restos estavam gravados nas rochas. Havia conchas, vários tipos de conchas, estrelas-do-mar… Tinha um tipo de fóssil que parecia um caranguejinho, era o trilobita, e havia vários tipos de fósseis bem estranhos, fósseis marinhos. A gente começou no ginásio a ver conchas, e nunca conseguiu satisfazer minha curiosidade na época, porque, no colégio, pouca gente conhecia, mas eu fiquei abismado com a quantidade de fósseis que saíam desses poços. Quando eu já estava aqui em Curitiba estudando, um ex-professor meu, lá de Ponta Grossa, disse “Quem conhece bem isso aí é o Fritz Lange.”. O Fritz Lange era uma figura fora de série, que mantinha em sua casa um laboratório de paleontologia. Ele era um paleontólogo muito estudioso e resolvi perder a vergonha e perguntar a ele o que era aquilo tudo. Ele explicou o que era e que ali tinha sido mar. E eu perguntei como aquilo poderia ter sido mar se Ponta Grossa está a mais de 900 metros acima. Ele disse “Isso é complicado para explicar agora. Mas, depois que você entrar na universidade, vou te explicar melhor”. Quando concluí o curso, fui a Ponta Grossa e falei com ele, que me disse “Agora você já tem uma experiência boa” – eu já tinha tido aula com o professor Maack, com o professor Franco, com o professor Weber, que era mineralogista. E me convidou para ficar lá em Ponta Grossa, fazendo com ele viagens de campo. Naquele tempo, ele tinha posses, era considerado rico, tinha casas comerciais, estava bem de vida. Então, quando eu ia a campo, ele me levava e pagava hotel, pagava jantar, pagava tudo e eu não tinha preocupação em gastar o meu dinheiro. 

 José Wille – As evidências encontradas eram de um mar muito antigo, onde criaturas maiores não existiam ainda?

Riad Salamuni – Sim, bastante antigo e não tinha criaturas maiores. Havia evidências de peixes muito primitivos, mas nunca foi encontrado um inteiro. Havia escamas, restos de peixes, junto com esses outros restos marinhos. Então, eram criaturas que a gente pode considerar relativamente primitivas.  

José Wille – É possível datar a idade geológica dessas descobertas? 

Riad Salamuni – Foi datado. Era do devoniano, mais ou menos entre 300 a 350 milhões de anos.  

Localização de Ponta Grossa no Paraná.

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José Wille – E qual foi a explicação sobre a altitude de Ponta Grossa e a existência de um mar na região, em outra era geológica?   

Riad Salamuni – Fósseis marinhos evidentemente são, não há o que discutir. A explicação não é muito complicada, mas você tem que ter um certo conhecimento de geologia. A crosta terrestre sofre compensações isostáticas. Os continentes se elevam em relação ao nível do mar. Ou o mar se retira das áreas que eram ocupadas por ele. Ou então há movimentos tectônicos, movimentos que induzem os continentes a se soerguerem. E várias dessas respostas convencem, porque uma delas é o equilíbrio isostático.   

José Wille – A extensão que teria essa área submersa é difícil avaliar ainda hoje? 

Riad Salamuni – Não é muito difícil, porque é muito grande essa extensão. Hoje, você encontra rochas expostas na superfície e consegue calcular bem o que tem exposto. Mas como essas camadas mergulham embaixo de outras mais recentes, então você também pode calcular com perfurações, como as que a Petrobras faz para a extração de petróleo, e verificar até que limite esse mar ia.  

José Wille – No Norte de Curitiba também há vestígios, mas de mares de outras épocas? 

Riad Salamuni – Eram muito mais antigos esses mares, em Almirante Tamandaré e Rio Branco do Sul, com os calcários, os filitos…  

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Geólogo Riad Salamuni..

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José Wille – Todo o calcário é resultante de mares antigos?  

Riad Salamuni – Eram sedimentos de mares antigos, claramente. Temos ainda restos e evidências importantes com relação a recifes de algas. Então, eram mares muito extensos e relativamente profundos. Só que as rochas dessa época sofreram muitas transformações e desdobramentos. Tivemos dobramentos formando montanhas de dobras. E o próprio dobramento encolhe a extensão territorial do mar. 

José Wille – Vestígios fósseis também são encontrados mais próximos a Curitiba? 

Riad Salamuni – Sim. E eu calculo que os mais antigos do Brasil estão perto de Tranqueira, Rio Branco. Mesmo em Almirante Tamandaré, a gente encontra ainda restos de colônias de algas fossilizadas.  

José Wille – De acordo com o terreno da região, não ficam vestígios dos peixes? 

Riad Salamuni – Ah, não, de outros seres vivos, não! Aqui, só temos, exclusivamente, fósseis de algas. Temos alguns vestígios em certos tipos de rochas de origem orgânica, rochas escuras, carbonosas – com  resto de carvão muito antigo. Essas rochas indicam que teve algum tipo de vida, mas não sabemos bem qual era. Mas, com relação às algas, as estruturas dessas colônias ainda estão preservadas. 

 

 

Vídeo da série Memória Paranaense sobre o tema.

 

 

 

 

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