Memória

A fuga de um líder sindicalista em 1964

 

O dirigente sindical e artista plástico, Espedito Rocha, que morreu há poucos anos, foi um dos pioneiros no movimento dos trabalhadores do Paraná.Ele filiou-se ao Partido Comunista, em 1938, e se tornou dirigente do partido em 1967. Foi preso, torturado e viveu intensamente a história do movimento operário. Leia o trecho de uma entrevista gravada em janeiro de 1998, publicada na íntegra na série de livros “Memória Paranaense” .

 

José Wille – Em 1964, na tomada de poder pelos militares, como o governador Ney Braga se comportou em relação à esquerda?

Espedito Rocha – Ney Braga ficou em cima do muro e só se decidiu quando os tanques do Exército cercaram o Palácio. Ele ficou em cima do muro. Chegou a dar assistência a um movimento de esquerda que pertencia à Democracia Cristã, da qual ele era o líder no Paraná. Mas a Democracia Cristã nada mais era que um movimento que queria acabar com as esquerdas, queria substituí-las. De esquerda não tinha nada. É claro que não se pode dizer que o Ney foi um torturador.

José Wille – Você acha que a repressão, conforme ele diz, foi suave aqui no Paraná?

Espedito Rocha – Não digo que essa coisa foi suave. Nós tivemos companheiros que foram tremendamente torturados. Nascimento Pereira, por exemplo, em 1964, Antonio Baptista Filho, o pessoal de Paranaguá… Vários dirigentes sindicais de Paranaguá ficaram imprestáveis de tanto ser torturados. No meu caso, eu não fui preso, pois fugi. Minha mulher, desesperada, foi ao secretário de Segurança Pública e ele disse a ela “Minha senhora, vá embora para casa!” – eu tinha sido dado como morto – “Seu marido não está morto, não está preso. E se a senhora souber onde ele está, diga-lhe que suma, porque querem prendê-lo mesmo”.

José Wille – O secretário Ítalo Conti…?

Espedito Rocha – O secretário Ítalo Conti. Isso aconteceu, é um fato concreto. Mas isso não significa que as coisas eram suaves. Isso aconteceu no meu caso e eu agradeço até de público, mas isso não ajuda muito.

José Wille – Houve a notícia da sua morte, em 1964. Como foi?

Espedito Rocha – Um caminhão passou por cima de um indivíduo na noite do dia 31 para o dia primeiro. E, no dia primeiro, publicaram no jornal a fotografia daquele cara morto e puseram meu nome embaixo. Não se sabe por que fizeram aquilo. E a família ficou desesperada. Porque, quando eu fugi, em 1964, saí do movimento para ficar na clandestinidade e não poderia ter contato com a família. Eu sabia perfeitamente que, se eu tivesse contato com ela, a polícia me pegava. Então, fiquei 120 dias aqui em Curitiba, sem a família saber onde eu estava. Tinha contato com um dirigente sindical, meu amigo, e trabalhadores amigos. E esse pessoal sondava e me dizia como estavam as coisas lá em casa. Houve um movimento em que várias pessoas pediram dinheiro para levar para a minha família.

José Wille – E como foi a fuga de Curitiba, já que as estradas estavam bloqueadas pelo Exército? Como você conseguiu sair de Curitiba, rumando para o Norte do Paraná?

Espedito Rocha – Tinha um amigo meu que era dono de uma loja aqui, as lojas Tiradentes. Ele me emprestou o carro e o Sindicato dos Motoristas colocou dois motoristas à disposição. Nós estávamos com esse material sob nossa responsabilidade e, no dia em que soubemos que o Exército havia se retirado da saída para o Norte, partimos às dez horas da noite e viajamos a noite inteira. Almoçamos em Alto Paraná. Saímos daqui os três, os dois motoristas e eu. Enquanto um dormia, o outro tocava o carro.

José Wille – Em Paranavaí, você se estabeleceu clandestinamente?

Espedito Rocha – Com nome trocado, comprei uma mercearia e instalei a família. Eles aprenderam a trabalhar e eu fiquei trabalhando no interior, colhendo café, fazendo mangueiros, fazendo casas, sendo carpinteiro…

 

Veja também o vídeo integral desta entrevista gravada em 1997:

 

 

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