Memória

O médico Moisés Paciornik defendia o “parto de cócoras”

 

Moysés Goldstein Paciornik (1914 –2008) foi médico ginecologista. Em 1959, fundou o Centro Paranaense de Pesquisas Médicas, do qual foi diretor. O centro dedicava-se à prevenção do câncer ginecológico e estendeu os serviços às reservas indígenas no sul do Brasil, época na qual Moysés tornou-se partidário do parto de cócoras, ao observar que as índias da tribo Caingangue, mesmo tendo muitos filhos, tinham uma musculatura mais firme. Entrevista gravada em novembro de 1997 no “Projeto Memória Paranaense” da da antiga Rádio CBN Curitiba 90.1 fm e Inepar.

 

José Wille – Dr. Paciornik, vamos contar primeiro a origem de sua família, que deixou a Rússia e veio para o Brasil.

Dr. Paciornik – Os meus bisavós moravam em uma pequena aldeia, numa área que às vezes era Polônia, às vezes era Rússia, às vezes era Ucrânia. Meu pai foi soldado russo. Eles falavam polonês, russo e ucraniano, pois era uma área que mudava de dono com muita frequência. A crise naquela área era muito grande e essa mudança de dono, de país, fazia com que a vida lá fosse muito difícil. Então, houve uma grande imigração de poloneses e ucranianos. Alguns foram para a América do Norte; outros, para a América do Sul. O pessoal da Polônia procurou essa área de Curitiba, que era mais fria, menos quente do que Rio, São Paulo e o Nordeste. Por isso, eles vieram para cá. O primeiro dos irmãos – eram 11 – que veio para cá, era um menino, o Rafael. Ele fugiu de casa com 13 anos, era um aventureiro. Ele montou uma fábrica de móveis aqui em Curitiba. E logo vieram os outros. Meu pai veio para cá em 1912. Foi morar em São José dos Pinhais, onde montou uma padaria. Mas a padaria não ia bem, porque eram colonos poloneses, italianos, e todo mundo tinha o seu forno e fazia a broa, o pão, em casa. Então, o padeiro não tinha comércio lá e ele mudou a padaria para Curitiba, no Campo da Galícia, onde hoje é a Visconde do Rio Branco, Princesa Isabel, por ali. Era Campo da Galícia porque os poloneses vinham da região da Galícia, na Europa – Campo dos Polacos, o pessoal falava. Era perto do Rio Ivo, por ali, por aquela área. E foi ali que eu nasci. Eu devo ter sido feito, fabricado, em São José dos Pinhais, porque, seis ou sete meses depois que meus pais foram morar ali no Campo da Galícia, foi que eu nasci. E nasci de parto em casa, a parteira era avó do dr. Raul Rainer. Meu pai foi buscá-la com a carrocinha de entregar pão e ela veio fazer meu parto em casa, que era o parto antigo, que hoje está voltando na Europa, nos Estados Unidos, em toda a parte. No Brasil, também está começando a tendência da volta do parto em casa, que era um parto muito bom. Os antigos estavam muito certos na medicina deles.

José Wille – Eles chegaram aqui por volta de 1913. Para seu pai e seu avô, foi uma boa escolha? Eles gostaram do Brasil?

Dr. Paciornik – Claro! Com aquela vida atribulada e difícil na Europa, difícil mesmo, isso aqui, para eles, era um paraíso. Diziam que o paraíso da Terra era o Brasil e a área de Curitiba, onde havia um povo muito pacato, muito bom. Então, eles sentiam-se em casa aqui, nessa terra abençoada. Até hoje abençoada – e tomara que não a estraguem.

José Wille – O senhor escreveu um livro sobre este assunto, sobre os 300 anos de Curitiba – “Os 80 que eu vivi”. Qual é a lembrança que o senhor tem de Curitiba?

Dr. Paciornik – Eu nasci na rua Visconde do Rio Branco. O calçamento terminava na Saldanha Marinho com a Rio Branco. Ali era o fim do miolo. A cidade de Curitiba era pequenina, eu não sei quantos mil habitantes havia quando eu nasci, em 1914; devia ter uns 40, 50 mil. Porque, quando entrei no ginásio, no livrinho “Coreografia do Paraná”, do Sebastião Paraná, que foi uma pessoa maravilhosa, Curitiba tinha 110 mil habitantes. Depois, foi crescendo, foi aumentando. Quando nasci, a cidade era do bonde a burro, não havia carros, automóveis eram poucos – havia só dois ou três automóveis. Eram carroças e charretes e o trole – um carro preto, grande, puxado por dois cavalos, quatro cavalos. Isso era Curitiba antiga: não havia automóvel, não havia nada. Era uma cidade pacata e muito boa, muito gostosa. Eu nasci lá no Campo da Galícia, depois me mudei para o Alto São Francisco, onde tive a minha tropa, a gurizada, minha infância maior. As minhas maiores lembranças são no Alto São Francisco, com os italianos, nas carrocinhas, com aquelas aventuras. Nós meninos íamos tomar banho no Rio Barigui, que era um rio de águas claras, limpas. Era uma beleza! As matas do Barigui, com pinhão no inverno, gabirova, pitanga… Então, era uma maravilha essa nossa cidade de Curitiba!

José Wille – Como foi a influência do seu pai no estudo. Ele insistia que todos os filhos fizessem curso superior e, de preferência, que fossem médicos.

Dr. Paciornik – No meu caso, a minha vontade era ser engenheiro. Eu gostava de mato, gostava de campo, essas coisas. Achava que o engenheiro lidava com essas coisas, não construir casas, mas lidava com o campo, no mato. Para o europeu, para o imigrante que tinha perdido tudo, mudando de um lugar para outro, ainda mais os judeus, que não tinham segurança em parte nenhuma, os bens materiais são fluídos. Até hoje são fluídos! A gente vê grandes fortunas em grandes famílias que desaparecem. O dinheiro tem rodas, w para nossos pais, a única coisa estável era a cultura. “Estudem!”. Queriam que estudássemos, todos os filhos tinham que estudar para ter cultura. E a profissão mais acatada, mais bonita que havia era a medicina. Para minha mãe, um filho médico era a maior glória que ela poderia ter. Era a maior satisfação. Então, ela queria que eu fosse médico e eu fui médico por influência da minha mãe. Por querer dela, eu entrei na Faculdade de Medicina. Tive sorte, numa profissão em que me dei bem. Eu gosto de conversar, de bater papo – e a medicina é bater papo, observar e coisa e tal.

José Wille – Como foi sua experiência na universidade, em 1933? As opções eram poucas na época.

Dr. Paciornik – As turmas até 1933 tinham 12, 13 estudantes, que faziam vestibular. A cidade era pequena e os estudantes eram poucos. Em 1933, houve uma avalanche que veio para a Universidade do Paraná. De São Paulo, do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, de todos os estados vizinhos do Paraná, vieram estudantes. Então, fizemos o vestibular com cento e cinquenta e poucos candidatos. Poucos foram reprovados, entravam todos, era facinho, facinho. Eu estava nervoso, mas entrou todo mundo.

José Wille – A metade vinha de fora?

Dr. Paciornik – A metade era de fora e a metade foi reprovada. Depois, pediram para o Getúlio, sei lá o que fizeram, um grande movimento, e os outros que foram reprovados foram aceitos. A nossa turma foi a maior que passou naquele tempo. Foi aí que as turmas se engrandeceram. Nós começamos com 148 e terminamos em 108 estudantes que se formaram médicos. Foi uma turma muito interessante a nossa.

José Wille – Os filhos de imigrantes, como era seu caso, eram mais tímidos, pela diferença da fala, do sotaque. E esses que vinham de outros estados tinham alguma influência?

Dr. Paciornik – Até hoje o paranaense é tímido. E nós éramos as primeiras gerações de imigrantes, então o nosso falar era com defeito. A gente tinha sotaque e mau emprego dos pronomes, plural, singular… Então, a gente era acanhado e é acanhado até hoje. Você pode ver pelos políticos do Paraná, a não ser o Requião, que é um pouco mais exuberante, e o Bento Munhoz da Rocha, que era um cabra prendado pela própria natureza. O resto é gente muito tímida, muito acanhada, muito séria, muito correta. Éramos tímidos e acanhados e a paulistada que veio para cá era exuberante. O pessoal de São Paulo, do Rio de Janeiro, eram meninos muitos vivos e eles fizeram com que a nossa turma crescesse no desembaraço.

José Wille – E muitos deles ficaram no Paraná nessas décadas?

Dr. Paciornik – Claro! Muitos deles casaram por aqui. Nos fins de semanas, havia o baile de Engenharia, em que a estudantada do Brasil inteiro se reunia para dançar com as moças daqui. Houve muitos casamentos entre os meninos de fora e as nossas mocinhas. Outros ficaram no interior do Paraná. Ainda hoje eu tenho, vivendo por aí, colegas que se formaram naquele tempo. A maioria era paulista e eles ocuparam todas as cidades que aparecem por aí, por esses mapas.

José Wille – O senhor estava na universidade na década de 30. Qual era a rotina dos jovens?

Dr. Paciornik – Nós éramos muito sérios, acanhados. Estudante estudava!

José Wille – Usavam chapéu?

Dr. Paciornik – Sim, pois o certo era andar bem-arrumado. Os mocinhos, depois dos 10, 12 anos, usavam calça comprida – até então, usavam só calça curta. E sapato e meia, a não ser os muito pobrezinhos. Depois, paletó e, desde os 13 anos, gravata e chapéu, durante toda a vida. Os estudantes de São Paulo é que vieram sem chapéu, como nós agora aqui. A queda do chapéu começou por volta de 1935. Para mim, foi uma beleza parar de usar chapéu. Escapei do chapéu! Era chato chapéu…

José Wille – Essa rotina era de muito estudo e trabalho na faculdade. Não era parecida com a juventude de hoje, que tem mais opções de lazer…

Dr. Paciornik – Os estudantes estudavam. Mas, agora, também eles estudam… Esses cursinhos é uma coisa bárbara, o vestibular é um choque! Os meninos sofrem de verdade e sabem muito. Será uma geração boa que vem aí, mas nós também estudávamos. A gente era do esporte. Meu grupinho era do esporte. Futebol, naquele tempo, era coisa de vagabundo. Eu chutava bola e joguei no Coritiba, no médio.

José Wille – Como era na escola, na universidade, o dia a dia desses estudantes? Havia um respeito muito grande pelos professores?

Dr. Paciornik – Os professores, para nós, eram deuses. Nós os olhávamos com uma admiração total. Não era só professor da universidade. Ser professor do ginásio em Curitiba era um galardão. O Lysimaco Costa, o Dario Velozo, o José Ribeiro, o Macedo eram homens superacatados pela cidade. Ser professor era uma coisa difícil, porque não era captar daqui, dali. Ele tinha que fazer um concurso e a cidade toda participava, torcendo nesses concursos, uma coisa muito séria, um acontecimento. Eu assisti a alguns destes concursos. Onde hoje é a Secretaria de Cultura, na rua Ébano Pereira, ali era o Ginásio Paranaense. Quando havia concurso para ser professor ali, a cidade toda participava.

José Wille – No ano de 1938 aconteceu a sua formatura. Como foi o começo da carreira? Começou como clínico geral?

Dr. Paciornik – Todo mundo era clínico geral, a não ser uns poucos médicos que faziam especialidades. Em Curitiba, os filhos do João Cândido, Leônidas e Celso, um fazia oftalmologia e o outro, otorrinolaringologia – olhos, ouvidos, nariz e garganta. Com o Pernetinha, com o Raul Carneiro, apareceram os pediatras. No mais, os médicos eram generalistas. O Mário Abreu, que era professor de clínica cirúrgica, era generalista, fazia tudo. O Alencar fazia tudo. O Isacson, que era professor de ginecologia, fazia tudo. Depois, começaram a caçoar dos generalistas. Hoje, a Organização Mundial de Saúde quer que todos os médicos sejam generalistas. Pode ser especialista no que queira, mas o médico é médico do corpo humano. Pode se limitar a uma determinada área, mas tem que conhecer o corpo humano, porque o organismo é um só. É uma engrenagem que não pode se limitar a um órgão separado, porque um depende do outro.

José Wille – O senhor conheceu o primeiro reitor, Victor Ferreira do Amaral, e tem conhecimento também da vida de Nilo Cairo. O senhor trabalhou com Victor Ferreira do Amaral, que foi fundador da Universidade Federal do Paraná, junto com Nilo Cairo.

Dr. Paciornik – O Victor do Amaral – posso dizer – era um homão. Eu o conheci quando minha mãe, uma vez, ficou doente e foi internada na maternidade, que era um prédio assobradado aqui na rua Comendador Araújo. Eu fui visitar minha mãe – eu tinha 6 anos, mais ou menos – e nisso apareceu um homem enorme, grande, grande. Ele chegou perto de mim e disse “A tua mãe não tem nada” e colocou a mão sobre a minha cabeça. Ele era muito bonzinho, muito carinhoso. “Você está pequenininho. Coma bastante que você cresce”. – “Eu cresço e fico um homão que nem você?”. Aí, ele caiu na gargalhada, achou muita graça, aquela coisa. Eu acompanhei esse homem com muita simpatia e assisti às aulas dele, mesmo depois de me formar. Nós o chamávamos de Mano Victor, e de Vitoca o seu filho Victor, outra pessoa extraordinária. As aulas do Mano Victor, na primeira vez, eu, como estudante, não soube julgar. O estudante vê entusiasmo, vê palavra, bastante bobagem. E depois continuei assistindo às aulas por mais dois anos. Aí, eu já sabia julgar, e comecei a respeitar o Mano Victor, porque eram aulas sólidas, corretas. Era uma medicina perfeita, boa, atualizada, embora ele já fosse um homem de mais de setenta anos. Naquele tempo, não sei com que idade se jubilava, mas ele continuava dando aulas. Depois, o Vitoca assumiu a cadeira.

José Wille – Foi um fato muito importante a criação da Universidade, em 1912, pelo Nilo Cairo e o Victor Ferreira do Amaral…

Dr. Paciornik – Foi, foi. Ele era o realizador, o tocador, o homem que aguentava. O Nilo Cairo não conheci, mas, na Academia de Letras, a cadeira que eu ocupo foi dele. Então, tive que estudar a sua vida, uma coisa louca. O Nilo Cairo, hoje, seria o Rui Barbosa. Rui Barbosa foi um grande, mas Nilo Cairo foi um grande mesmo. Não sei se lhe dão o valor que ele tinha. Ele dava aula de Engenharia, dava aula de Direito, de Mineralogia, dava aula de tudo. Escreveu um livro de fisiologia que é uma beleza, pelo qual nós estudamos. Escreveu outro livro, de patologia. Ele fundou a universidade e, depois, mudou-se para Irati. E lá ele fazia a Revista Homeopática Brasileira. O homem tinha um valor extraordinário! Depois, desgostou-se por aqui e mudou-se para São Paulo, Mogi da Cruzes, e lá começou a plantar fumo. Então, ele fez um livro da terra, um livro de 700 páginas. Imagine a cabeça desse homem, o valor que ele tinha!

José Wille – Naquela época, com poucos recursos,  a dificuldade era muito maior para a atividade médica.

Dr. Paciornik – Os médicos que tinham prática eram bons médicos. Não tínhamos instrumentos. A gente tinha era o estetoscópio, e o resto para fazer o diagnóstico eram os nossos cinco sentidos. O João Cândido era professor de clínica médica e dizia “Ao entrar na casa, vocês usem o sentido. Pelo cheiro, vocês já diagnosticam uma porção de doenças, uma série de disenteria, tifo, uma série de doenças pelo cheiro peculiar. Pela visão, vocês já sabem uma porção de coisas em torno da saúde, da vida daquele doente. Depois, ouçam o que ele diz, a história do doente”. Hoje, mesmo com toda essa aparelhagem, é com a história do doente, ouvindo o que o doente diz, que, de cada 100 casos, em 90 faz-se o diagnóstico na conversa. Então, ouça e depois apalpe. Pela apalpação, você diagnostica um câncer de mama, diagnostica um câncer de tiroide. Então, use o tato. Com os cinco sentidos, a medicina deles era extremamente boa, precisa. E só nos 10% dos casos em que não se tinha diagnóstico ou se tinha dúvida, recorria-se ao laboratório, que fazia exame de urina, exame de sangue, pouquinhos exames. O raio-X foi  Milton Munhoz quem trouxe o primeiro. Tinha um no São Vicente e outro na Rua XV. Mas, mesmo sem o raio-X, os diagnósticos eram feitos. Hoje, tem ressonância magnética, tomografia, uma aparelhagem maravilhosa, tem as endoscopias – a gente enxerga tudo dentro do corpo. Mas os diagnósticos feitos pela clínica bem feita coincidem com aqueles que hoje se fazem com essa aparelhagem louca, maravilhosa, mas cara. E já está se fazendo uma revolta na América, para voltar à clínica antiga. Os cinco sentidos são essenciais.

José Wille – Em 1949, depois de 11 anos de formado, o senhor resolveu abrir o seu próprio hospital, que mantém até hoje.

Dr. Paciornik – Sim, eu abri o hospital, porque os hospitais eram poucos. Era o Victor do Amaral, que era maternidade e internava ginecologia. Tinha o São Vicente e a Santa Casa… Eram os três hospitais onde a gente trabalhava. Ali, tinha uns colossos, tinha uns gigantes da medicina do Paraná. Na Santa Casa, era o Mário de Abreu, o Alencar e tinha o Virmond, que está na história da medicina – um homem prendado, homem elegante, bonito, que operava que era uma beleza. Eles fundaram o São Vicente e eu era desse grupo. Tinha outro grupo, que era do Erasto Gaertner, de extraordinário valor.  Tinha o dos Mayer, na Casa São Francisco. Mas eu tinha atração por esse grupo que fez o São Vicente. Dentro de pouco tempo, eles tinham clínicas enormes e não havia lugar para internar e operar. E minha clínica também foi grande, tive muita sorte. Éramos em poucos médicos, de modo que ter grande clínica não era grande mérito. Como não tinha onde internar, apareceu aquela casa na Lourenço Pinto. A gente comprou o terreno, comprou barato, e fez dali a Casa de Saúde, que começou se chamando Moysés Paciornik. Eu tinha muita vergonha do nome Moysés Paciornik e ficou só Casa de Saúde Paciornik. É o hospitalzinho que está lá…

José Wille – Quando surgiu o interesse em estudar a saúde dos índios, com a visitação dos locais de remanescentes indígenas no Paraná e Santa Catarina?

Dr. Paciornik – Isso foi um ato de sorte. De ter nascido aqui, uma terra maravilhosa, uma terra livre, onde o filho do imigrante pode trabalhar, crescer e ser até entrevistado, como nesse programa Memória Paranaense. Nunca meus pais ou eu, ninguém ia sonhar que seria um dia convidado para a memória da cidade. Sorte foi ter nascido aqui, onde ainda existem, sobrevivem índios em algumas reservas do Paraná. Acontece que no Brasil, há quarenta e poucos anos, para quem tinha câncer era uma coisa horrível. Câncer do útero era o pior que existia. Quando ele ia para frente, furava a bexiga e a mulher começava a perder urina; ia para trás, furava o reto e a mulher começava a perder fezes. Uma dor horrível, perdendo sangue, perdendo pus, mais urina, mais fezes. O sofrimento era bárbaro e não tinha tratamento, só restava operar. A operação era terrível, tirava tudo e a mortalidade era tremenda. O sofrimento não tinha conta. Aí, apareceu um camarada em Nova York, um grego, Papanicolau, e ele percebeu, estudando as células, que nove, dez anos antes de formar-se o câncer, as células dão sinal que vão cancerizar. E a coleta dessas células é muito simples: é uma tabuinha que passa no colo do útero, põe numa lâmina de vidro, olha e, com isto, o médico especialista sabe se essa mulher tem risco de ter câncer daqui a nove ou dez anos. Então, uma cidade onde todas as mulheres fizeram exames de prevenção de câncer uma vez por ano poderá ser uma cidade absolutamente livre de câncer, onde nenhuma mulher vai morrer de câncer. Na hora em que a prevenção seja geral, acaba o câncer. No Brasil, fundou-se a Associação Brasileira de Prevenção de Câncer Ginecológico e eles me nomearam como delegado dessa associação. Aí, começamos na cidade de Curitiba e a reação foi tremenda – “É mentira! Não existe prevenção!”. E foi muito difícil. Em um mês, fizemos uma propaganda louca. Os jornais e a televisão foram muito camaradas, fizeram propaganda de prevenção. E, em um mês, mesmo com essa propaganda maciça e o Rotary patrocinando essa coisa – então era sério, tinha aceitação – 5 mulheres vieram examinar. Não veio quase ninguém. Éramos em 14 pessoas esperando alguém vir fazer o exame e ninguém vinha. Pensaram que era mentira, que era charlatanismo. O serviço era de graça, pois o Rotary sustentava esse serviço e ninguém pagava nada. A Nice Braga foi uma das primeiras pessoas, uma coisa bonita que ela fez. Ela não precisava consultar conosco, poderia consultar no Rio, em São Paulo, pois o marido dela era governador. Mas, para valorizar o centro, ela foi fazer exame de prevenção. Depois dela, outras começaram a imitá-la. No primeiro ano, examinamos 700 mulheres em Curitiba e passamos a fazer o interior do Paraná, Santa Catarina, São Paulo. Onde nos convidassem para fazer a prevenção, a gente ia. Ninguém conhecia a prevenção, todo mundo tinha muita curiosidade. Os médicos tinham curiosidade. Assim, fomos convidados para ir a Santa Catarina. E, em Xanxerê, trabalhava o Celso Raulin, um paranaense que mora lá, um homem extraordinário. E tivemos notícias que, perto de Xanxerê, tinha uma reserva de índios Chapecó. Pedimos, então, para examinar as índias. Comentários surgiram aqui em Curitiba – “Mentirosos, faroleiros! Índio não tem câncer” e depois “As índias não vão ficar nuas, deitar numa mesa e abrir as pernas para esses médicos examiná-las”. Nós fomos lá e constatamos que as duas noções estavam erradas. Primeiro, índia tem câncer na mesma proporção que nossas mulheres. Até câncer do colo uterino parece que elas têm mais do que as mulheres civilizadas que não fazem prevenção. De modo geral, naquele tempo, ninguém fazia prevenção. Então, a incidência de câncer na índia era muito grande. Depois, disseram que o índio não viria. Vieram em massa fazer o exame, porque disseram que viriam uns médicos de Curitiba que curavam e preveniam a doença maligna. O índio tinha pavor da doença maligna que é o câncer, porque eles pensavam que a doença era contagiosa. Então, quando uma índia tinha a doença de útero, era largada na floresta para morrer de fome, de frio, de dor, urrando feito um bicho abandonado, porque todo mundo tinha medo de lidar com o câncer. Então, quando souberam que vinha uma equipe de Curitiba fazer exame que prevenia contra câncer, vieram em massa. Foi uma beleza! Propusemos na Funai – lá sempre tem uns cabeças-de-bagre – fazer exames de todas as reservas, fazer uma equipe que fizesse a prevenção em todo o país. Depois, propusemos fazer vacina de gripe, mas não aceitaram e ficaram de dar as coordenadas, mas o assunto morreu. O que foi interessante, nesse exame das índias, foi o seguinte: estávamos acostumados a examinar mulheres civilizadas. Uma civilizada, uma europeia, uma americana, uma brasileira, quando chega depois da menopausa, de cada cem, 60% tem a grave patologia pelo canal do parto, o canal vaginal. A operação que mais se faz hoje, na Europa, nos Estados Unidos e aqui no Brasil, é plástica de períneo, ou seja, consertar a vagina, pois o útero está baixo, a bexiga está baixa e a mulher, quando tosse, urina-se. Hoje, vende-se mais fralda para mulher do que para nenê. O nenê, com dois anos, para de se urinar; a mulher, coitada, quando começa a perder urina, vai perdendo a vida toda, uma calamidade… Então, quando a gente olhou aquelas índias, com 10, 12, 14 filhos, o canal vaginal pequeno, com tantos filhos, sem perda de urina, sem bexiga baixa, sem nada disso… Com um comportamento sexual, conforme a gente viu, muito melhor do que o nosso, porque a anorgasmia, a falta de orgasmo, incide em 60% das civilizadas, bem-casadas, bem-acompanhadas; e, nas índias, toda essa patologia horrível era muito escassa. E o que estraga o canal vaginal? É o parto. Porque, falando com as índias velhas, “Como você teve filho?” –“Eu se acrocava e o nenê nascia”. Depois de examinar 12, na 13ª índia, que era uma índia mais jovem, de vinte e poucos anos, o canal vaginal estava estragado. “Quantos filhos tem?” – “Só dois”. Interessante essa índia de dois filhos ter o canal estragado e a índia de 12, 14 filhos, não. Trabalhava conosco a enfermeira da Funai. “Como você fez o parto dela?” – “Eu deitei, cortei, depois costurei.”. Era uma enfermeira de excelente padrão. Naquele tempo, eu era professor da Escola de Saúde Pública, justamente de obstetrícia, pré-natal. “Você faz tudo certo, é o que eu ensino a fazer. Veja os partos que você fez, de forma muita direita, mas a mulher está com defeito, e as índias que tiveram os nenês sozinhas lá no mato, acocoradas, sem ninguém para ajudá-las, estão em situação muito melhor”. O negócio era evidente, não havia dúvidas: a índia que teve o parto de cócoras estava muito melhor que a índia de parto deitado. Eu trabalhava com meu filho Cláudio. Eu fazia exame das mamas e ele fazia exame do canal vaginal e foi ele quem percebeu esse negócio do canal vaginal. Saímos de lá e escrevemos um trabalho “Não perturbem o parto índio”. A minha ideia foi defender a índia. Se a índia, tendo parto sozinha, de cócoras, não se estraga, então não a perturbem, deixem-na ter sozinha, não queiram introduzir as nossas coisas lá. O Cláudio era um médico novo, sem medo do clássico, do estabelecido, e começou a fazer o parto de cócoras em Curitiba, no nosso hospital. As mulheres tinham filho, saíam andando, pois não cortava, não rasgava, não precisava costurar. E, no dia seguinte, iam para casa, enquanto as outras estavam cheias de dor e sofrimento. Daí, a gente se convenceu de que o parto de cócoras era o melhor e foi uma maravilha! Começou e foi para diante. No começo, ninguém nos aceitou, mas hoje estão nos aceitando.

José Wille – Depois dessa constatação do parto de cócoras, como foi a defesa e a aceitação?

Dr. Paciornik – A reação foi absolutamente negativa. Houve revolta, houve críticas amargas. A mesma coisa quando começou a prevenção: que era mentira, charlatanismo… “É ridículo, onde é que já se viu uma mulher civilizada ficar de cócoras? Isso é parto para índia do mato, para bugre. Que posição mais feia!” A conotação era com a defecação, que é outra estupidez, que eu não vou analisar agora para não perder tempo. O civilizado não sabe ter filho, não sabe evacuar, não sabe nada, faz tudo errado. Mas vai melhorar, porque a reação não começou aqui. A reação agora é mundial quanto ao parto deitado. A reação foi terrível, não aceitaram. Nos congressos médicos e nos livros de medicina, começaram a se manifestar contra. Nos livros mais usados no país, como o do Resende, que é um grande professor, é meu amigo, é um homem muito interessante, de grande valor, sem pensar, começaram a falar mal. “Apareceu um modismo, um tal de parto de cócoras, que não acrescenta nada. Procrastina o atendimento da criança, veio para sumir”. Não veio para sumir, veio para ficar, porque, quando a mulher deita, o canal de parto se estreita 28% e, com o canal mais estreito, há maior compressão da cabeça da criança, há maior risco de hemorragias, de defeitos graves que acontecem por aí. Há vítimas e vítimas por compressão da cabeça.

José Wille – A origem do parto deitado surgiu mais tarde? Antigamente, o parto era de cócoras?

Dr. Paciornik – Sempre foi de cócoras ou de joelhos. Há 300 anos, começaram a deitar a mulher. Quando deita a mulher, o canal estreita ou rasga. Para não rasgar, corta, costura. Se fosse bom isso, não haveria essa situação calamitosa que tem hoje, em que o canal vaginal das nossas mulheres está, na maioria, estragado. Quando está deitada, tem que empurrar a criança numa subida. Quando ela fica de cócoras, o canal abre 28% mais e o peso da criança, mais o peso das vísceras do intestino e a flexão do corpo, empurram a criança. Ela sai naturalmente, não precisa essa coisa horrível que tinha no parto deitado.

José Wille – O senhor escreveu um livro, “Aprenda a nascer com os índios”. Internacionalmente, como foi a aceitação?

Dr. Paciornik – No começo, com grande desconfiança. Ontem, veio um pedido da Holanda, pois estão escrevendo um livro e estão pedindo material. Agora há pouco, o Congresso Mundial foi na Dinamarca. Americanos escreveram à rainha Margaret II, da Dinamarca, para intervir junto aos obstetras que estão demorando a aceitar o parto de cócoras, para que o aceitem mais ligeiro em benefício da mulher. O negócio não é mais de Curitiba. Levou 30 anos para sair de Curitiba, mas, agora que pegou o mundo, vai embora.

José Wille – O senhor escreveu também o livro “Aprenda a viver com os índios”.

Dr. Paciornik – Estive com eles até o mês passado. Contatei outros índios de Tabarana. Claro, nossa civilização é vítima dos costumes europeus, da Europa respeitada. Tudo que o europeu faz é bonito. O parto que eles fizeram foi aceito no mundo inteiro, porque era parto europeu. Os costumes europeus são os que dominam o mundo. O europeu descobriu ou adotou. O europeu é o povo do descanso, descanso sentado, a civilização do descanso. Nós sentamos por tudo. Quando estamos cansados, sentamos para descansar. Não cansados, ficamos sentados para não cansar. Há uma lei de fisiologia que explica: todo órgão que tem repouso prolongado enfraquece. Sentados como nós estamos, nosso corpo está repousando dos pés à cabeça, então está enfraquecendo dos pés à cabeça. Primeiro, as pernas em repouso – consequência: varizes e celulite, que o índio não tem; outro malefício: por gravidade, o sangue desce para as pernas, falta sangue no couro cabeludo, o couro cabeludo branqueia e carequeia. O cérebro, com menos sangue, cansa mais ligeiro. Vocês, que estão me ouvindo falar já há tanto tempo, devem estar com sono, porque o cérebro de vocês está com menos sangue.

José Wille – O índio não se senta. Fica de cócoras ou senta no chão?

Dr. Paciornik – Você logo vai ver a análise disso, as consequências de ficar sentado. A coluna em repouso enfraquece. Então, 80% dos civilizados têm ou vão ter dor nas costas. Todo mundo sofre de dor na coluna. Deus e a natureza não podem ter feito um corpo tão ruim, que se estraga assim à toa, vive doente. Todo mundo tem dor nas costas, por causa das cadeiras. Os povos que não têm cadeiras, que não usam cadeiras, não têm dor nas costas. O índio não tem dor nas costas; só se cai, machuca e quebra. E nós somos esses povos sofredores. Todos os nervos da dor saem da coluna, então tem dor nos braços, nas mãos, nas pernas, ciática, dor na barriga, dor em toda parte por compressão da coluna. Os músculos do assoalho pélvico, a parte nossa que está sentada, em contato com a cadeira, na mulher tem três funções: primeiro, segurar a bexiga e manter o útero alto dentro do abdômen, pois, se enfraquecer, ao tossir, vai descendo e, por isso, tem tanta mulher com útero e bexiga baixos, às vezes fora do corpo; a segunda função é segurar a urina. Quando a mulher tosse ou espirra, o músculo forte segura. Se o músculo enfraquece, ela se urina. Então, a terceira coisa é a anorgasmia – a mulher não alcança o orgasmo porque a musculatura é fraca. O órgão do orgasmo é a glândula do clitóris. Deus fez o seguinte: para proteger a glândula do clitóris, ela fica afastada 5, 6, 7, 8, 9, 10 cm do canal vaginal, Entre o canal vaginal e o clitóris, tem o canal da urina, que, se não fosse afastado, no ato de urinar molharia a glândula e daria inflamação e irritação. Agradando a glândula, toda mulher tem orgasmo. Se, na relação sexual, ela não tem, é porque é longe. Se o músculo é fraco – caso das civilizadas – não contata; se o músculo é forte – caso das índias – ela contata. Temos um aparelho que mede a pressão vaginal. Na mulher civilizada, da cidade, poucas chegam a 60. A pressão vaginal da índia do mato é 100, 140. Ela é normal, é boa para si própria, é boa para o companheiro, e a civilizada não presta.

José Wille – O senhor, uma vez, numa polêmica fora do Brasil, acabou tendo a ideia de escrever um livro, perguntando “Brasileiro mata índio?”.

Dr. Paciornik – Essa história é interessante. Houve um Congresso de Ginecologia e Obstetrícia em São Francisco, cujo tema foi Parto de Cócoras, e debatia conosco um inglês. Depois, indo para Nova York, esse inglês estava no mesmo avião que a gente. Eu estava sentado algumas cadeiras lá para a frente e o inglês me chamou. Ele e a esposa ficaram fazendo perguntas sobre índio, índio, índio… Dali a pouco, acenderam-se as luzes –“Voltem para seus lugares e apertem os cintos”. Eu tinha andado 3, 4 carreiras de bancos, quando a inglesa pergunta em voz alta, com ar zangado. “Por favor, doutor, por que vocês, brasileiros, matam índios?”. Eu parei, voltei e disse “Olha, minha senhora, brasileiro, no sentido que a senhora está falando, nem existe, o que existe são filhos, descendentes de europeus, de portugueses, de espanhóis, de alemães, de poloneses, de italianos, que vieram para a América do Sul, para o Brasil, para a terra dos índios para trabalhar e enriquecer. Para os índios, não deram atenção nenhuma. E entre eles, gente de Londres também, ingleses. A cidade mais importante do norte do estado onde eu nasci chama-se Londrina, cujo nome vem de Londres. Lotearam o Norte do Paraná, fizeram cidades maravilhosas, mas ali havia dezenas de milhares de índios e a esses índios eles não deram atenção nenhuma. Foi um dos maiores genocídios do tempo moderno, que vocês cometeram. Limitaram aqueles índios em algumas reservas de Tamarana, São Jerônimo da Serra, 90 alqueires para 400 índios. O índio precisava da mata para comer, para tudo, e vocês o expulsaram do habitat dele. Quem matou índios foram os filhos dos descendentes dos europeus, para enricar e, entre eles, a senhora. E o nosso grupo tem ido às reservas para fazer prevenção de câncer, tentamos e fizemos vacinação contra gripe e tentamos melhorar o estado do índio”. E ela “Mas como é que ninguém sabe? Você tem que escrever um livro!” – “Está bem, eu vou escrever um livro que vai se chamar ‘Quem Mata Índio?’, pois quem mata índio primeiro são vocês!”. Daí, surgiu o livro.

José Wille – O senhor começou a escrever na revista da Federação Israelita, “O Macabeu”; dali, passou para a “Gazeta do Povo” e, mais tarde, unindo esses trabalhos, surgiram os livros…

Dr. Paciornik – Foi, foi. Eu tinha vergonha de escrever, achava que não escrevia, porque, na escola primária, o professor caçoava do meu jeito de escrever. Eu fiz 4 exames de admissão para entrar no ginásio. Entrei na quarta vez, porque meu português era terrível. Eu escrevia do jeito que escrevo hoje, mas sabe como é, era errado mesmo e é errado até hoje, só que vocês me aceitam. Naquele tempo, não aceitavam. Então, tinha vergonha de escrever. Em uma ocasião, vieram me perguntar como era antigamente. “Escreva uma historinha”, disseram. Escrevi, eles gostaram. E escrevi outras, até que, pela terceira ou quarta vez, o dr. Francisco Cunha Pereira, perguntou se eu não queria escrever umas coisinhas médicas para a “Gazeta do Povo”. Comecei a fazer assuntos médicos, mas, no terceiro ou quarto, foi chateando, pois, em vez de falar de doenças, prefiro falar da vida. E o dr. Francisco me deu aquele canto, não me tocou ainda de lá e o lucro foi meu. Virei escritor sem querer.

José Wille – Um dos mais recentes livros que o senhor escreveu é “Aprenda a Envelhecer Sem Ficar Velho”. O que o senhor defende nesse livro?

Dr. Paciornik – Esse livro é interessante mesmo, porque eu recebi um telefonema do secretário da Saúde, dr. Armando Raggio,  convidando todos os “cabeças  brancas” para uma reunião de palpites, para oferecer ideias de como deveria ser a saúde pública. Foi um café da manhã, onde estava gente bacana. Primeiro, o secretário falou uma porção de coisas interessantes e, entre outras, ele falou que havia ido à Reserva de Mangueirinha e tinha um indiozinho velho, muito interessante, muito inteligente, falando desembaraçado, com pitozinho de taquara, falando, falando. E ele perguntou ao velhinho “O que quer dizer caingangue?” – “Caingangue quer dizer saúde. Eu, pajé caingangue, cuido da saúde do índio. Doença, muita doença nós índios temos, vocês brancos trouxeram para nós índios. Índio dá saúde.” Ele contou essa coisa e eu achei interessante. Então, ele me falou “Nós somos colegas, porque você é pajé e cuida da saúde dos índios e eu sou secretário da Saúde e cuido da saúde dos brancos.” E eu fiquei gostando das ideias desse indiozinho. Depois, falaram o Arion e o Trudel sobre o que o sedentarismo traz à nossa saúde. Quando chegou a minha vez de falar, eu disse “Por que não unimos o que o secretário falou e o que vocês propuseram para combater o sedentarismo com as ideias do índio?” –“Como?” –“Fazendo os movimentos que dão saúde ao índio.” –“Quais são os movimentos?” – “O índio vive de cócoras e a mulher índia carrega a criança nas costas com uma faixa apoiada na testa. A vida deles é um exercício permanente. Sem instrução, inocentes e ignorantes como são, eles levam uma vida sadia. Depois, eles comem certo, mas vamos ficar no exercício”. Aí, eu mostrei o exercício, que é abaixar-se e levantar-se como se estivesse com a criança nas costas. Esse movimento de carregar a criança nas costas estica os músculos do rosto, não deixa enrugar o rosto, não deixa enrugar o pescoço, levanta as inserções das mamas, firma a barriga, força a coluna e, fazendo isso, fecha o canal vaginal, com força. E quando a índia se abaixa para descansar, o canal vaginal abre com força. Então, é um verdadeiro exercício. Quando se abaixa, abre o canal vaginal com pressão e, quando sobe, fecha com pressão, uma verdadeira ginástica. Isso explica porque as índias têm 140 de pressão vaginal. Quando a pressão vaginal é grande, não perdem urina, sexualmente são boas, os órgãos não abaixam e elas não têm defeito. E por se abaixar e levantar, elas não têm varizes, não têm celulite, não têm dor nas costas, não têm nada disso. Quando falei tudo isso, o secretário disse “É para já! Vou mandar fotógrafos e cinegrafista para entrevistar esse pajé, e vamos fazer um livro contando essas coisas”. Então, eu falei que, juntando-se todas as historinhas que eu escrevi na “Gazeta”, o livro já estava pronto. Essa reunião foi na segunda-feira; na quarta-feira, ele me telefonou, dizendo que havia convocado todos os chefes da regional do Paraná para contar o negócio da ginástica índia. Em seguida, fomos para Campo do Mourão, Londrina e corremos o Paraná, ensinando a ginástica índia brasileira, e daí saiu esse livrinho. Em dois meses, o livro estava pronto e impresso. Foi a Secretaria de Saúde e a Secretaria de Cultura que fizeram o livro. O lançamento tinha que ser em Londrina, e eu levei duzentos e poucos livros. O vernissage ia ser à noite, mas não houve, porque não sobrou livro.

José Wille – O senhor resumiria o livro, então, às atividades físicas, nesses exercícios que são naturais dos índios, além do cuidado com a alimentação?

Dr. Paciornik – Na alimentação, aprenda a comer como os índios. O índio come certo, nós comemos errado. As doenças, diabete, arteriosclerose, pressão alta, todas as doenças que temos é da falta de exercício e da má alimentação. Diabete e arteriosclerose vêm do açúcar, farinha, sal e das gorduras animais. Então, evitando os três pós brancos e gordura de um modo geral, principalmente animal, você está fazendo a prevenção da maioria das doenças que nos deixa velhos. Então, é fazer exercício caingangue e comer como o índio come, pois ele come o que Deus pôs na natureza para ser comido. Pois, na natureza, o índio não encontra açúcar, não encontra farinha, não encontra sal. E o que ele come? Quando ele pode, leite, que é difícil; ovos, é um ou outro, de passarinho. Então, essas duas coisas ele não come. Ele come verduras, frutas, caça – carne magra – e peixe. Com essa dieta, evitando os três pós brancos e a gordura animal, você está fazendo a prevenção do envelhecimento. E você envelhece sem ficar velho.

José Wille – O senhor está com 83 anos, mas anda com a postura correta, raciocina com lucidez. O que o senhor diria que, no seu caso, ajudou tanto? Atividade, por exemplo, é muito importante?

Dr. Paciornik – É importante! Nunca pare de trabalhar. Você pode se aposentar, mas não pare de trabalhar, continue trabalhando. O trabalho, os problemas são ruins, são desagradáveis, mas eles nos conservam ativos e vivos. Depois, faça ginástica. A caingangue é a mais fácil, pois é só se abaixar e levantar, abaixar e levantar. Pena que eu aprendi isso tarde, pois faz só 30 anos. Se eu aprendesse antes, eu era um broto (risos).

José Wille – Uma vez, entrevistei o senhor, na televisão, e o senhor chegou lá com fone de ouvido. Perguntei se o senhor estava ouvindo música clássica e me respondeu que estava aprendendo alemão. O senhor foi caminhando até a televisão e aproveitou o tempo, aprendendo pelo fone de ouvido.

Dr. Paciornik – Isso é interessante. Eu tive um convite para uma palestra em Genebra, depois em Zurique. Tive outros, para Londres, Berlim, Nova York, Filadélfia e São Francisco. Mas as conferências em Genebra tinham que ser em francês. Em Zurique, a conferência tinha que ser em inglês e as discussões, em alemão. Eu tinha um mês e meio antes de ir, então comprei fitas gravadas com as três línguas e, dia e noite, ficava ouvindo. Um dia, francês; um dia, inglês; um dia, alemão. Falei tudo errado, de qualquer jeito, como estou falando tudo errado aqui também, mas não tem importância, contanto que o assunto seja certo. E eles me aceitaram, tanto que veio carta da Holanda pedindo material.

José Wille – A vida de médico: sofrer junto com pais, crianças… Como isso marca o profissional? Não torna o profissional mais amargo por viver o sofrimento alheio?

Dr. Paciornik – A profissão entusiasma, nos domina e a gente faz com gosto, com prazer. Mas, quando acontece um acidente, a gente sofre tanto ou mais do que se fosse um parente. Nós sofremos, sim, sofremos barbaridade. A gente aguenta, porque está treinado, está vacinado. Mas, quando acontece um caso ruim, poxa, não queira saber. Não quero nem pensar… A pressão sobe, parece que a gente vai morrer. Conforme o caso, é horrível!

José Wille – E esse estresse que a vida moderna impõe?

Dr. Paciornik – Isso tudo desgasta. Mas aí tem que haver a compensação, com exercícios e com repouso no sábado e domingo. O organismo tem que descansar. Durante muitos anos, trabalhei muito, no sábado e no domingo. Não parava nunca. Morei 35 anos dentro do hospital, trabalhava dia e noite. Agora que eu saí, moro ao lado e parece que tem uma combinação: minha mulher deu ordens que não me chamem à noite, que me poupem. Eu, por mim, não quero, acho ruim, mas o homem não manda (risos).

 

 

 

 

 

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