Biografias

O general Ítalo Conti relembrou os bastidores de 1964 no Paraná

General da reserva e deputado federal, Ítalo Conti esteve na Segunda Guerra Mundial, atuando na Força Expedicionária Brasileira na Itália, como capitão. Mais tarde, na política, foi deputado federal por três vezes. Secretário de Segurança Pública nomeado por Ney Braga, Conti é um dos paranaenses que vivenciaram os bastidores do poder em 1964. Entrevista gravada em dezembro de 1997.

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José Wille – Em 1961, então, o senhor assumiu a Secretaria de Segurança.

Ítalo Conti – Quando assumi, ainda era chefia de polícia, porque havia uma Polícia Civil e a Polícia Militar, que era subordinada diretamente ao governador. E Ney Braga me chamou e disse “Você crie a Secretaria de Segurança, absorvendo a Polícia Militar, porque eu não quero perder tempo em despachar assunto que você pode resolver”. Basta dizer o seguinte: para nomear um delegado, tinha que passar pelo Ney Braga, tinha que marcar audiência com ele para se nomear um delegado. Então, ele me mandou criar uma estrutura. E a lei para criar a Secretaria da Segurança foi entregue ao Aníbal, que era secretário da Assembleia. Quinze dias depois, a lei foi sancionada pelo Ney. Aí, eu fiquei com a Polícia Militar, a Polícia Civil, a de Trânsito e a Penitenciária, que, naquele tempo, era da Polícia Civil.

 

José Wille – O senhor era secretário de Segurança em 1964, quando veio a Revolução. Como foram os dias  anteriores?

Ítalo Conti – Nós sabíamos que ia haver qualquer coisa. O governo do Jango levantava muita suspeita para nós militares. Tínhamos informações de que ele ia estabelecer uma república sindicalista, apoiada pelos comunistas. Então, fomos nos preparando. O Ney, acionado pela alta cúpula, me chamou e pediu que eu preparasse a tropa para uma eventual ocupação. Ele tinha uma preocupação com a Revolução, porque não queria que o Paraná fosse o campo de batalha. O Ney apoiava tudo, desde que jogassem para São Paulo ou para o Rio Grande do Sul, porque sabia o que é um campo de batalha, pois, como militares que estiveram na guerra, sabíamos o que é uma terra ocupada, destruída, de difícil recuperação. E nós nos preparamos aqui. Comandado pelo grande coronel Lapa, da Polícia Militar, havia um batalhão preparado para qualquer eventualidade, para jogar para São Paulo e para o Rio Grande do Sul, todo mobilizado.

 

José Wille – Duas semanas antes da Revolução, o senhor esteve com o general Castelo Branco. Já estava evidente o que aconteceria em breve com o Brasil?

Ítalo Conti – O Castelo Branco nunca foi um conspirador. Pela sua pregação, pela pessoa que era, pelo seu passado, sabíamos que, na hora exata, o Castelo estaria do nosso lado. Mas ele não era um conspirador, de se reunir num apartamento no Rio de Janeiro ou de mandar emissários aqui para Curitiba para conversar com determinados oficiais. Inclusive não era homem de intimidade, de chamar um tenente para confabular como iria fazer para dar um golpe. Ele não era desse tipo – era de dar ordem. Tanto que estourou a Revolução e todos se uniram em torno dele.

 

José Wille – O senhor teve um papel também como articulador entre os revolucionários, naquele momento?

Ítalo Conti – Eu, como secretário de Segurança, fazia as articulações, viajava para o Rio de Janeiro, fazia ligações com vários oficiais, transmitia as informações. Sabíamos quem era nosso e quem não era nosso, sabíamos quais unidades nos acompanhavam, quais oficiais tínhamos que neutralizar. Havia um plano de quais civis tínhamos que prender. Então, realmente, nós tínhamos um plano preparado.

 

José Wille – Quanto tempo antes começou a ser discutido esse plano?

Ítalo Conti – Acho que o ponto que marcou as duas fases da mentalidade militar – para a Revolução ou não – foi a aliança de Luiz Carlos Prestes com Getúlio Vargas, no passado. Parece que esta aliança foi muito bem estudada pelos comunistas. Já estávamos motivados contra o comunismo, por causa da ferida de 1937. Então, a nossa geração já era anticomunista por natureza.

 

José Wille – Uma situação que vinha, então, desde o começo da década de 50?

Ítalo Conti – Sim. Quando o Getúlio se candidatou pela segunda vez, recebeu apoio do Luiz Carlos Prestes. E esse apoio nos despertou a necessidade de nos mobilizarmos também, esperando qualquer coisa diferente pela frente. Então, era muito vago. Sabíamos que alguma coisa tínhamos que fazer para evitar a ascensão dos comunistas. Depois, com o desenrolar, veio a renúncia do Jânio, a volta do Jango prestigiando comunistas, generais comunistas… Na Revolução de 1964, o Exército tinha 95 generais – 33 foram afastados. Uns não receberam missão e se reformaram; outros foram cassados pelo Ato Institucional.

 

José Wille – Mesmo aqueles que ficaram em dúvida no momento de aderir?

Ítalo Conti – Em 1964? Sim, naturalmente! Os generais que ficaram no muro, esses não receberam comissão, foram embora. Agora, aqueles que tinham participação tão ativa, como Assis Brasil, chefe da Casa Militar do João Goulart, esses foram cassados.

José Wille – O ex-governador Ney Braga disse que a repressão aqui no Paraná, depois de 1964, foi moderada. Era o senhor que a comandava, através da Secretaria de Segurança.

 

Ítalo Conti – Em primeiro lugar, não sei se tinha alguma veia política, mas não quis prender ninguém. Estourada a Revolução, dois notórios comunistas do Paraná, o dr. Jorge Karan, um médico altamente conceituado, e o Vieira Neto, um advogado brilhante, professor universitário, depois de 10 dias foragidos, apresentaram-se na Secretaria de Segurança. E eu lhes disse que não tinha ordem nenhuma para prendê-los. E, também, quando o Exército fazia um expediente para mim, dizendo que precisava de depoimento de fulano de tal, eu não mandava a rádio-patrulha pegar o cara e levá-lo ao quartel-general. Simplesmente mandava avisar a pessoa que o Exército queria o seu depoimento e que se apresentasse. Certos estudantes que tinham ideias de esquerda, ativistas até, pessoal da UNE – aqui, era UPE – fugiam e ninguém era preso. Por isso, o Ney disse que foi uma época em que não prendemos ninguém.

 

José Wille – Castelo Branco queria um período breve na presidência da República. O senhor acha que foi um erro dos militares essa continuidade por tanto tempo?

Ítalo Conti – Muito! A Revolução se prolongou demais. Lógico que nós não percebemos. Hoje, com o tempo, é que chegamos a essa conclusão. Ela devia ter parado, no máximo, no governo Médici, que devia ter entregue o poder para um civil – inclusive, quem advogava isso era um militar, o Costa Cavalcanti, que foi ministro. Uma vez, reuniu nossa turma e disse “Está na hora de entregar para um civil, fazer uma eleição direta, dê no que der e entregar o poder para quem ganhar”. Essa ideia já estava criada, mas havia uma linha-dura no Exército, que, para mim, foi até – vamos admitir – por entusiasmo, por patriotismo demais ou por ambição de postos, que acabou estragando a Revolução.

 

José Wille – E que acabou se desgastando, o que levou ao crescimento da oposição.

Ítalo Conti – Num desgaste, porque entramos numa guerra suja. Sabe quando é uma guerra de terrorismo, é uma guerra suja? É sujeira de um lado, sujeira de outro. Quando Lamarca matou a coronhadas um tenente na Ribeira, naturalmente veio uma revolta no Exército. Era violência de lá e de cá.

 

José Wille – Mas que acabou desgastando também o Exército.

Ítalo Conti – Desgastou o Exército, que não estava preparado para isso. Não era coisa de Exército, mas tivemos que entrar.

 

 

 

 

 

 

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