Destaques

O tempo das radionovelas relembrado por Sinval Martins

 

O mineiro Sinval Martins foi um dos maiores nomes do teatro, radioteatro e das novelas radiofônicas no Paraná. Sua formação inicial foi do mesmo grupo de atores de onde vieram Ary Fontoura e Odelair Rodrigues.  Sinval atuou, dirigiu e produziu espetáculos, além de trabalhar na publicidade por longo tempo. Esta entrevista foi gravada em abril de 1998. E publicada integralmente na coleção de livros “Memória Paranaense”. 
José Wille – Você era bastante extrovertido e foi daí que surgiu o teatro em sua vida?
Sinval Martins – Sim. Eu tinha um colega de classe que trabalhava no grupo de teatro do Colégio Estadual do Paraná, e vendo essa minha forma desembaraçada, não só comportamental, meio papagaio falador, me perguntou se eu gostaria de fazer teatro. Fui para conhecer o grupo e lá havia um professor que ministrava o curso de teatro e acabei gostando. Trabalhei em 4 peças no Colégio Estadual do Paraná e em, aproximadamente, uns 10, 15 shows, porque, naquela época, todas as vezes que tinha Dia dos Namorados, Dia dos Pais, Dia do Aluno, Dia do Professor, fazíamos um showzinho no próprio teatro do colégio. Estes shows eram uma alegria constante, porque cada aluno tinha a possibilidade de mostrar aquilo que era capaz de fazer. Eu era o produtor, diretor do show e o apresentador do espetáculo também. Já era todo saliente e acabou dando certo, porque, numa das peças em que eu trabalhei no colégio, Ary Fontoura, nosso velho companheiro, hoje na Rede Globo, me viu trabalhar e me convidou para o seu grupo. Eu comecei, então, fazendo teatro semiprofissionalmente na Sociedade Paranaense de Teatro, com um acerto assim: o que desse, nós rachávamos para todo mundo e coisa e tal. Nessa mesma época em que trabalhávamos nesse grupo, de vez em quando a gente recebia um convite do Teatro de Comédia do Paraná para fazer algum espetáculo lá. E a gente ganhava um cachezinho já determinado como profissional, um cachezinho só por ensaios, um cachezinho por cada espetáculo que a gente apresentava.
José Wille – Curitiba, na década de 50, já tinha outros grupos de teatro?
Sinval Martins – Não eram muitos, mas eram muito capazes e eficientes, com pessoas muito qualificadas. Um grupo era dirigido por Glauco Flores de Sá Brito, nome que hoje leva o Miniauditório do Teatro Guaíra. O Roberto Menguini também já era um produtor bastante eficiente e um diretor de muita qualificação e o João da Glória… Infelizmente, esses três hoje já são falecidos. Eram produtores muito eficientes e com muita qualificação não só técnica como artística. A gente via-os trabalhar, via-os dirigir, e o nosso grupo, também ia seguindo essa caminhada. Fizemos muitas peças no Teatro Guaíra, que era teatro experimental naquela época, não era nem teatro de comédia ainda, quando surgiu a oportunidade no Teatro de Bolso, na praça Rui Barbosa, uma obra construída pela LBA e pelo governo do estado, num terreno da Prefeitura. Então, tínhamos três órgãos governamentais envolvidos no processo de construção do Teatro de Bolso, que o deram para a Sociedade Paranaense de Teatro administrá-lo, onde eu estava na época. Nós estreamos no Teatro de Bolso, e hoje sou placa lá, com a “A Camisola do Anjo”, uma comédia de Pedro Bloch. Era uma comédia muito engraçada – e eu tinha 18 para 19 anos, fazendo um velhinho de 80 anos. Já tive alegrias em minha vida, porque já fui aplaudido em cena aberta com este papel desse velhinho. Ele era tão corcunda, mastigador de dentadura, com um timbre de voz tão curioso, que, mais tarde, o Maurício Távora resolveu escrever para a televisão um personagem especialmente para mim, baseado nesse velhinho que eu havia feito nessa peça.
José Wille – O teatro não o desviou de seu objetivo maior, que era o estudo.
Sinval Martins – É verdade. Eu saí do Colégio Estadual do Paraná, fiz o vestibular e passei na PUC para o curso de Direito. Enquanto terminava o curso, paralelamente, já comecei a fazer rádio e teatro também. E esta foi uma época maravilhosa da minha existência e, com certeza, muito marcante na minha vida, quando resolvi fazer radioteatro, novamente pelas mãos do Ary Fontoura, já com uma produção de novelas no rádio, que me convidou para trabalhar com ele. Então, eu estava fazendo teatro, rádio e a faculdade, tudo ao mesmo tempo.
José Wille – Como a televisão não existia, as pessoas acompanhavam as novelas só no rádio, na década de 50.
Sinval Martins – As novelas do rádio. A rádio Clube Paranaense, a B2, que foi o auge do radioteatro aqui em Curitiba, fazia aproximadamente de 10 a 11 novelas por semana. E era sempre ao vivo – pegava o script ali e tratava de jogar a voz para fora. Porque é bom que essa geração de hoje tenha consciência do que era o radioteatro: eram histórias em que o espectador só imaginava o que estava acontecendo através das inflexões de voz, através das ações que eram desenvolvidas. O resto era imaginação, a sonoplastia, que ajudava a formar ambientação, e o contrarregra, que, com efeitos, criava naquele ambiente uma ação maravilhosa e dava a impressão de que o fato realmente estava acontecendo. A imaginação ajudava muito… Por exemplo, eu tenho 1,73m, sou moreno e fazia um loiro de olhos azuis de 1,90m, príncipe do condado de não sei o quê, coisa e tal, e todo mundo me via com aquele 1,90m, louro, príncipe etc.
José Wille – Estas histórias eram escritas aqui em Curitiba?
Sinval Martins – Não. A maior parte vinha de São Paulo e do Rio de Janeiro. O Ghiaroni, o Oduvaldo Vianna, os famosos escritores da Rádio Nacional do Rio de Janeiro ou da rádio de São Paulo: era o que se trazia para Curitiba. Excepcionalmente, existiam alguns escritores em Curitiba. O Paulo de Avelar, que, mais tarde, foi o marido da Odelair Rodrigues, escrevia e, inclusive, foi meu escritor na televisão em muitas oportunidades. Então, nessa época, nós fazíamos as famosas novelas vindas de fora – “O Direito de Nascer”, “Olhai os Lírios do Campo”, de Érico Veríssimo… Nós tivemos oportunidade de fazer aquilo que existe de mais espetacular no nível de radioteatro.
José Wille – Como era enfrentar aqui a concorrência das grandes rádios nacionais, como a Rádio Nacional do Rio de Janeiro? Ou as pessoas ouviam pouco o rádio de ondas curtas?
Sinval Martins – A Rádio Nacional do Rio de Janeiro tinha, indiscutivelmente, a maior audiência no país inteiro, mas Curitiba resolveu enfrentar a Rádio Nacional, criando uma estrutura tão boa quanto a dela e, para isso, montou-se um departamento de radioteatro muito eficiente. Curitiba sempre teve uma qualificação artística muito boa e, para fazer radioteatro, sendo bom ator ou boa atriz, é só uma questão de adaptação de timbre de voz. Se no teatro você projeta um pouco mais a voz, no radioteatro você abaixa o tom e demonstra todas as intenções do seu personagem somente através da voz. O radioteatro se especializou, particularmente na B2, e nós tínhamos 65 profissionais trabalhando em radioteatro naquela época. Uma estrutura muito grande, sem contar o Departamento de Esportes, o Departamento de Auditório, o Departamento de Jornalismo. Então, a B2 era uma das poucas emissoras que tinha uma orquestra, dois grupos regionais, trinta e cinco cantores contratados e havia salário para essa gente toda. O rádio, naquela época, cumpria a função primordial da televisão de hoje. Tinha um programa de auditório em que se conhecia o artista pessoalmente. De vez em quando, tínhamos que correr de fãs, porque queriam cortar um fiozinho de cabelo para levar como souvenir. Essa coisa que acontece no rádio hoje, com os big stars, acontecia no radioteatro, com uma pequena diferença: o rádio dava uma auréola maior ao ator, pois cada um criava dentro de si aquele personagem maravilhoso, aquele herói, aquele galã. O meu fã-clube hoje é composto de mamãezinhas e vovozinhas que lembram ainda do tempo do radioteatro. Era um carinho não tão grande quanto existe na televisão hoje em dia, mas a quantidade de cartas que a gente recebia… Só para ter um exemplo, no começo, eu recebia uma ou duas cartas por dia; quando entrei como ator protagonista de uma novela, passaram a ser quarenta por dia.
José Wille – O Sinval Martins era sempre o galã?
Sinval Martins – Na maior parte das vezes. Meu timbre de voz era agradável, simpático… Era o mocinho querido, e eu brincava “sou o terror das domésticas”, que agradava demais, por causa desta forma que eu sempre tive de ser, não só na vida real mas como ator também. Eu era sempre uma pessoa muito educada, meus pais ensinaram que, primordialmente, o comportamento tem que ser exemplar, antes de qualquer coisa; depois, pode-se aprontar o que quiser, mas, para as pessoas, você tem que parecer sempre uma pessoa muito fina. E isso eu passava através dos meus próprios papéis, na minha forma de interpretar.
José Wille – Existia a curiosidade de ir até a rádio, de ver apresentações em teatro para conhecer você pessoalmente?
Sinval Martins – Muito, muito! Quando se anunciava que no programa do Mário Vendramel estaria presente o galã Sinval Martins, podia ter certeza que o fã-clube estava lá.
José Wille – Tinha autógrafo?
Sinval Martins – Vou contar uma historinha a respeito de autógrafo. O Ubiratan Lustosa disse “vamos fazer uma tarde de autógrafo aí, na loja, embaixo da B2”. Estava marcada para as três e meia. A rádio ficava no meio da quadra da Barão do Rio Branco e, quando descemos, meia hora antes de começar a tarde de autógrafos, tinha uma fila de 4 ou 5 pessoas, uma ao lado da outra, atravessando a Marechal Deodoro e dando a volta lá no meio da João Negrão. Foi uma canseira, não dava nem para parar e conversar. Eu fiquei três horas só autografando fotografias, dando um carinho, um beijinho, um afago, uma coisa qualquer… Era muito gratificante mesmo, porque elas estavam ali para retribuir o nosso trabalho, através do rádio. Esta coisa, alguns anos mais tarde, morreu por ineficiência, principalmente da direção das emissoras.
José Wille – Você fazia 5 novelas ao vivo por dia, como foi o caso na rádio Colombo, no final da década de 50. Havia um pouco de confusão com tantos personagens ao mesmo tempo?
Sinval Martins – Não, não havia, porque você dava um molho especial a cada personagem e, evidentemente, procurava não ser repetitivo, fazendo o mesmo estilo de interpretação, porque cada personagem tem a sua característica numa novela. Por exemplo, eu fazia um cigano, um aventureiro que falava forte, que defendia as cores da sua gente e que brigava por todos; na outra, era um mocinho romântico, uma pessoa cândida, uma pessoa agradável, simples; na outra, fazia um malfeitor, uma pessoa irascível… Quer dizer, então, cada personagem tinha a sua característica, seu modo de vida, seu comportamento. E o próprio ouvinte acabava esquecendo quem estava por trás daquele personagem.
José Wille – E tinha um tom de voz para cada um?
Sinval Martins – Não diria um tom de voz, mas um estilo de interpretação. A voz você não pode mudar, a não ser quando é um tipo – por exemplo, você vai fazer um coronel, posta um timbre de voz e solta aquele timbre da voz, dá uma caracterização diferente. Mas, se você é o galãzinho, não pode fugir muito das características, porque é o personagem queridinho pelas meninas – tem que ser aquela pessoa carinhosa, que conquista as pessoas. Tanto que até hoje os galãs são chamados ídolos das novelas, mas nem sempre são os melhores papéis, que normalmente são dos vilões, porque os papéis oferecem mais oportunidades. Excepcionalmente, eu fazia o bandido, porque a própria emissora fazia questão de preservar a minha imagem como galã, pelo volume de cartas que recebia e pela própria audiência da rádio.
José Wille – Enquanto você estava só na rádio e não existia a televisão ainda, as pessoas conheciam o nome Sinval Martins, mas não conheciam a pessoa. Você podia andar tranquilo pelas ruas?
Sinval Martins – Apenas na primeira fase, porque, logo a seguir, veio o advento da televisão e nós passamos para ela também, ficando mais conhecidos do público. Mas, anteriormente, a emissora possuía vários programas de auditório durante a semana: “Músicas Encantadoras”, “Rádio Show das Terças-Feiras”, “Expresso das Quintas com Mário Vendramel”, “Programa Sérgio Fraga”, “Cineaquiradio com Souza Moreno”, trazendo algumas atrações nacionais e até internacionais para participarem desses programas e, volta e meia, éramos convidados a participar de um deles. Isso fazia com que a gente ficasse conhecido, porque o auditório tinha 400, 500 pessoas, e também, no dia a dia, as pessoas iam especialmente na rádio para conhecer o pessoal que fazia a novela.
José Wille – Você era muito namorador na época?
Sinval Martins – Eu era um pouco galinhento, sim. Era uma coisa gozada, eu era respeitador, tinha as namoradinhas, 3 ou 4 ao mesmo tempo, mas não era nunca de assumir compromisso sério com nenhuma. Eu não dava ilusão a nenhuma delas que iria casar e elas sabiam que estavam comigo porque eu era agradável, simpático, que tinha uma conversa razoável e não tinha intenção de assumir compromisso. Naquela época, havia uma respeitabilidade maior. Hoje, você começa a namorar; no dia seguinte, você está levando para a cama. Naquela época, havia uma preparação até conseguir conquistar uma amizade maior; para ter relacionamento mais íntimo com uma mulher, era coisa terrível – era pegar na mãozinha, um beijo furtivo e olhe lá ainda… As coisas eram mais reservadas, você se dava ao luxo de ter 4 ou 5 namoradas sem compromisso sério, porque eu tinha um objetivo na vida. Eu queria ser um artista conceituado, querido por todo o mundo, até fazer profissão disso, ganhar dinheiro e também, ao mesmo tempo, me formar em Direito, que era o sonho do meu pai.
José Wille – E como era a vibração do auditório nos programas em que você tinha participação no rádio?
Sinval Martins – Era muito curioso, muito curioso! Quando a gente entrava, era aquela euforia, aquela coisa que parecia que éramos velhos conhecidos e que eles estavam querendo carregar a gente no colo. Chegavam a alguns pontos até de adoração, de tanto carinho que o público tinha para com nosso trabalho. As pessoas mandavam bilhetinhos e, às vezes, corriam atrás da gente. Essas coisas eram gratificantes… Quando a gente entrava num elevador, ficava até meio constrangido, porque as pessoas olhavam e cochichavam entre si, apontando a gente – “Será que tem alguma atrapalhada aqui comigo?”. Não, nada, era somente porque estavam reconhecendo a gente. E isso aconteceu logo a seguir, porque eu fiz 2 anos, se tanto, de radioteatro e já coloquei a televisão na minha vida, como complemento. As pessoas adoravam o trabalho que a gente fazia no rádio e, por extensão, nós começamos a conquistar um novo público, mais elitista – o da televisão.
José Wille – A televisão não estava só na classe média nesses primeiros anos da década de 60?
Sinval Martins – Não diria nem média, estava na classe alta. Eu trabalhava na Hermes Macedo e anunciamos um produto à vista, quando os planos iam até 36 meses sem juros, sem acréscimo. Vendemos todos! Então, era um público muito elitista, porque a quantidade de aparelhos era muito pequena. No mês seguinte, teríamos 500 aparelhos vendidos em Curitiba e, 4 ou 5 meses depois, já teríamos 5.000 aparelhos. Aí a gente começava a sentir a importância da televisão em nossa vida.
José Wille – Ainda no radioteatro você chegou a fazer uma novela que praticamente era você, uma atriz e um diálogo, o que mostra como o rádio facilita a criação.
Sinval Martins – Eu estava na rádio Colombo do Paraná quando recebi uma proposta muito boa da rádio Clube Paranaense para ir para lá. Então eu falei “Ary Fontoura, sinto muito, mas vou seguir por caminhos diferentes”. Fui para lá e programaram a minha estreia, chamaram por 15 dias. Era eu e a Irene Moraes, uma ótima atriz e excelente locutora também. Fomos fazer uma novela, e o Ivo Ferro escolheu uma novela que se passava em uma ilha, com 40 capítulos, 3 vezes por semana, às 13 horas. Em 39 capítulos, éramos somente eu e ela presos naquela ilha. Isto exigiu de nós um jogo de cintura muito grande, porque naquela ilha acontecia de tudo, havia suspense, havia um crime não desvendado e, de repente, aparecia um cadáver na ilha – como surgiu? De que jeito? Eles tentavam desvendar. E, de repente, são inimigos e, depois, voltam a ter um caso de amor. E, de repente, nasce o primeiro filho deles ali, naquela ilha. Complicado, a trama toda envolvendo só os dois personagens. Foi o meu primeiro sucesso na rádio Clube, tanto é que, quando estava na rádio Colombo, recebia uma ou duas cartas por semana; depois da novela na B2, passei a meia dúzia de cartas por dia, e aí já foram 20 etc. Enfim, foi a minha consolidação no radioteatro.
José Wille – O que podia mostrar sua popularidade é que um político com o mesmo nome que o seu, do interior, conseguiu uma grande votação em Curitiba.
Sinval Martins – É verdade. Esse é um fato curioso. Havia um político – aliás, ele foi prefeito em Clevelândia, lá no Noroeste do Estado – que foi candidato a deputado estadual, o nome dele era Sinval Martins de Araújo e o meu nome é Sinval Ferreira Martins. E os políticos entendidos, tipo Aníbal Cury, diziam que ele ia ter em Curitiba 200 votos aproximadamente, por ser um prefeito de cidade do interior, embora não tivesse agilidade para mais de 300, 500 votos. Mas ele teve aproximadamente 5.000 votos em Curitiba e aí o pessoal me cumprimentava na rua – Parabéns, deputado! – Que deputado, foi o outro lá que ganhou. Eu só quero ser ator!
José Wille – E dava para viver como ator? Como era o salário na época no rádio?
Sinval Martins – Não, não dava. Evidentemente que eu fazia rádio, teatro e televisão. Posso dizer que ganhei dinheiro, construí minha casa às custas da televisão, mas por quê? Porque na televisão eu não fazia só papel de ator, eu fazia cinco papéis: era produtor, diretor, principal ator, fazia o cenário e arranjava patrocinador. Então, eu ganhava por cinco! Hoje, não existe nada disso, pois são, no mínimo, cinco pessoas para cada um desses cargos. A televisão me deu a oportunidade de ganhar um pouco de dinheiro, mas também foi só um pouco, ninguém ficava rico com a televisão naquela época. Mas a rádio continua pagando mal e, atenção, senhores diretores de rádio, paguem melhor seus profissionais, pois, com certeza, vocês terão mais audiência.
José Wille – No começo da década de 60, como foi a sua passagem do rádio para a televisão?
Sinval Martins – Parece que era uma sina na minha vida o Ary Fontoura estar presente. Naquela época, era muito forte em Curitiba a Rede Tupi de televisão, recém-inaugurada, montando toda a sua estrutura e sua equipe. E o Ary foi convidado para dirigir o teleteatro deles e já me convidou para trabalhar. Três semanas depois, eu já estava montando o meu próprio programa na televisão, um teleteatro que se chamava Tele CCI, patrocínio do CCI, no qual ajudamos a vender o Edifício Caiobá, em Caiobá, através do Zé Cardoso, que nos contratava.
José Wille – As empresas investiam em teleteatro, buscando audiência e a venda de seus produtos?
Sinval Martins – E com detalhezinhos muito curiosos: naquela época, a empresa patrocinava o programa inteirinho, não existiam janelas naquele espaço de 40, 50 minutos. Era todo o custo para aquela empresa contratante do programa, tanto é que eu fiz Grande Teatro CCI, Grande Teatro Bamerindus, levando o nome da empresa por que a empresa era a patrocinadora. Uma das grandes alegrias que tive foi quando fiz o Grande Teatro Bamerindus, pois fui o primeiro a colocar na televisão o nome Bamerindus.
José Wille – Você se sentia à vontade diante das cameras?
Sinval Martins – Eu era um azougue para essas coisas, eu sempre tive um tino de muita observação para as coisas, eu olhava e ficava ansioso em saber como era, de que jeito era feito. Isso aconteceu nas minhas experiências em teatro, em radioteatro, e na televisão não foi diferente. São três técnicas diferentes, que aprendi a dominar imediatamente. No teatro, você tem que ter essa noção de que, no palco, você está sendo visto desde a ponta do dedão até o fio de cabelo, inteirinho; então, tem que trabalhar com o corpo inteiro. No radioteatro, só é usada a minha voz, o recurso para tentar repassar todas as emoções através dela. Na televisão, há todos os recursos técnicos que ela proporciona – por exemplo, se eu tenho um perfil bonito, eu vou usar esse perfil toda vez que eu achar que deva. Se eu não tenho um perfil bom, eu vou procurar, na maior parte das vezes, fugir desse mesmo perfil. Tenho, também, a música dando apoio por trás, os efeitos técnicos. E, a partir do momento em que você começa a trabalhar em televisão, você sabe que, se a câmara está um pouco afastada, tem que usar um timbre de voz mais projetado. Se vai para o plano americano, da cintura para cima, você tem que usar meio tom de voz. Quando você vai para superclose, você não pode projetar o mesmo timbre de voz, tem que falar mais baixinho.
José Wille – Mas alguns atores sentiam dificuldades com a televisão – aquele estado de tensão por saber que está ao vivo e que não pode haver erro.
Sinval Martins – Muitos tremiam. Mesmo atores um pouquinho já mais tarimbados se batiam. Uma vez eu estava fazendo Vovô Lúcio Belo, se não me falha a memória, com o Ary Fontoura no papel, e eu contracenava com ele. E para nós dois, de repente, deu pane, sumiu tudo, branco total! Ficamos olhando um para o outro e eu disse “E daí?” e ele “E daí o quê?”. Eu improvisei “Ah, vovô, você estava com vontade de dizer uma coisa para mim, mas está escondendo o jogo, não é?”. E ficamos quase cinco minutos em cima do improviso, dizendo abobrinhas um para o outro… Às vezes, o contrarregra era esperto, dava uma sopradinha, que, na maior parte do tempo, ia ao ar também, e nós pegávamos o fio da meada e tocávamos para frente. Mas houve coisas maravilhosas que a televisão me proporcionou também. Por exemplo, quando nós fizemos um personagem maravilhoso, que tive a felicidade de criar, o Parnabino, de uma série chamada “É Proibido Sonhar” – do meu querido compadre falecido Maurício Távora. Ele escreveu esse personagem especialmente para mim e me deu outro ator para trabalhar comigo, o José Maria Santos – fabuloso também. Nós fizemos essa série durante uma temporada muito grande. Eu fazia um velhinho de uns 70 anos de idade mais ou menos, mastigando a dentadura, bigodinho e coisa e tal. Era um personagem maravilhoso e sua característica era ser um funcionário público dominado totalmente pelo chefe e pelas próprias circunstâncias do funcionalismo da cidade, que eram imperantes, e, em qualquer lugar que ele se encostava, dormia e sonhava. E no sonho era um super-herói e se vingava de tudo e de todos. Normalmente, no sonho dele, o chefe era o bandido, que apanhava sempre. E, na realidade, o Zé Maria me batia de verdade, mas vinha o troco depois, quando eu era o super-herói. Quando eu fiz Robin Hood, foi a semana mais cansativa que lembro até hoje na televisão. Tinha umas lutas de espada que duravam de 5 a 7 minutos ao vivo no ar e tinham que parecer verdadeiras, nas quais eu tinha de lutar com quatro piratas bandidos e vencê-los. E havia acidentes de cena… Lembro de um que foi muito curioso: eu fazia um rapaz que começava a recordar o seu passado e acabava entrando, mais tarde, no cangaço. Ao recapitular o passado, havia uma cena em que ele tinha uma briga com cinco bandidinhos da cidade onde morava. E, antes de ele apanhar, tínhamos que simular uma luta bastante forte, que parecesse verdadeira, eu dando uma meia dúzia de pontapés e socos, até que alguém me prendia por trás. Então, eu me desvencilhava, passava a mão por cima do pescoço de um dos sujeitos e virava para dar uma cambalhota, que era um dos truques ensaiados. Quando fiz isso, meu pé escorregou na serragem que simulava terra, bati com o nariz no chão e ele caiu em cima de mim. E, 30 segundos depois, eu tinha que voltar para a cena, bonitinho de novo, falando para o delegado que estava me entrevistando “E foi exatamente isso que aconteceu.”. E o sangue do nariz começou a cair em cima da mesa… Não tive saída, peguei um lenço discretamente, tentando estancá-lo. E o pessoal correndo, lá atrás, para buscar gelinho. De vez em quando, dava uma fugida por trás da câmara, botava um gelinho e voltava para a cena de novo…
José Wille – E as primeiras novelas pela televisão?
Sinval Martins – Eu tenho essa alegria, essa felicidade de ter sido também o primeiro a fazer a primeira telenovela na TV Paranaense, Canal 12, em Curitiba. Chamava-se “A Última Carícia”, em que eu era também o ator protagonista, o produtor, o diretor, fazia o cenário e ainda arranjava patrocinador. E aconteceu uma coisa muito curiosa: nós anunciamos que a novela ia estrear no Canal 12, às 18h40min, e a Rede Tupi resolveu anunciar que, no mesmo dia, às 18h30min, também colocaria no ar a primeira novela da televisão paranaense. Era uma briga de foice, naquela época.  No dia da estreia, às 5 horas da tarde, deu pane nos transmissores da Rede Tupi em Curitiba, que ficou uma semana fora do ar. Eu estreei a novela e, então, tivemos noventa e cinco por cento de audiência.
José Wille – E aí vieram as novelas gravadas fora, desempregando as pessoas, na segunda metade dos anos 60. E ainda depois, veio a formação de redes, acabando com tudo isso. Como foi o final desse período de glória para os profissionais daqui?
Sinval Martins – No rádio, a partir do instante em que as novelas foram caindo de audiência, algumas emissoras fazendo novelas gravadas, a própria B2 achou que não devia mais fazer radioteatro. Mas existia uma elite de radioatores e nós ainda fizemos por dois anos um programa de variedade, de humor etc, que estourava em audiência também, com todos os nomes já consagrados na própria emissora. A televisão, a partir do instante em que cerceou a oportunidade de fazer novela porque não compensava mais, vinha tudo gravado, era tudo mais barato etc. – embora gastasse muito pouco, porque nós éramos produtores, diretores, responsáveis por tudo – achou melhor utilizar o mercado nacional, com atores mais badalados…  Aí veio a fase de garoto-propaganda e tive a alegria de ser o primeiro a fazer um comercial em cores na televisão paranaense. Também o Canal 12 foi pioneiro em fazer televisão em cores em Curitiba, cuja primeira transmissão em cores foi a Festa da Uva, em Caxias do Sul. Eu estava cansado de me ver em preto-e-branco. Naquela época, cada vez que tinha uma tomada externa, nós fazíamos a coisa filmada. Tive a ousadia de fazer quinze minutos de filmagem na Penitenciária Estadual, em Piraquara. Depois, nós mesmos dublamos, no ar, vendo pelo monitor, com telecine soltando as cenas lá. Era cheio de invenção naquela época, uma fase criativa muito boa…
José Wille – Como foi para a categoria, de um momento para outro, essa mudança brusca, que acabou com a produção local?
Sinval Martins – No primeiro momento, foi com muita tristeza, pois sentíamos que, aos poucos – à exceção do teatro, iniciativa quase sempre privada – haviam terminado as atividades artísticas de televisão e radioteatro e nós tínhamos que partir para outros caminhos. Fazia praticamente dois anos que eu havia me formado, pensei em voltar a fazer advocacia e trabalhar com o René Dotti, pois ele já tinha o escritório montado. Mas o Ubiratan Lustosa, superintendente da B2, disse que a Hermes Macedo estava precisando da gente e tinha me indicado para eu fazer uma experiência como comerciário, e, se eu não gostasse, voltaria à rádio. Fui para a Hermes Macedo desta forma, quase empurrado, e acabei ficando 20 anos, pois tive a felicidade de ascender na profissão. Eu queria ser relações públicas da Hermes Macedo, mas me colocaram como chefe auxiliar de compras, para aprender e conhecer a casa… Em seis meses, me deram uma chefia de compra do departamento de móveis. Comecei a ler toda a literatura que existia sobre móveis e, quando achei que já estava craque em compra de móveis, colchões, conhecedor de espumas e tecidos, o diretor superintendente, o senhor José Melo de Amaral Junior, disse que eu assumiria a propaganda. E fui devagarzinho, primeiro, chefe da propaganda e, quando a propaganda se transformou em departamento, virei chefe de departamento e, depois, quando se transformou em um setor, tornei-me gerente.

 

 

 

 

.

.

Comments

comments

Shares