Memória

Ex-diretor do DER, Luiz Carlos Pereira Tourinho, falava sobre as antigas estradas

 

O general Luiz Carlos Pereira Tourinho sempre foi interessado pela história paranaense, com muitos livros publicados.  Além de registrar a história, participou dela. Engenheiro de formação, assumiu o Departamento de Estradas de Rodagem, com a missão de integrar o Paraná. Entrevista gravada em janeiro de 1998...

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José Wille – O senhor nasceu em 1913 em Curitiba…

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Nasci no dia 19 de dezembro, na praça 19 de Dezembro e ali passei toda a minha infância. Fiz os cursos primário e secundário, andando pela Barão do Cerro Azul, pela Cruz Machado e indo para o Ginásio Paranaense, na rua Ébano Pereira.

 

José Wille – Qual a origem da sua família, que teve participação na história do Paraná?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Por parte de pai, eu descendo de Monteiro Tourinho, um tenente, engenheiro militar, que veio como fiscal da construção da estrada de Dona Francisca. Depois, passou para a Estrada da Graciosa, em 1867. E ficou até 1873, quando se deu por fim a construção da estrada. Nesse tempo, ele conheceu uma moça, Maria Leocádia, da família Alves, de Antonina. Era neta do capitão-mor de Antonina, um fabricante de escunas na barra do rio São João. De parte de mãe, descendo dos Pereira de Paranaguá e dos Ferreira de Antonina. Lúcio Pereira foi escritor e o pai dele, o fundador do primeiro jornal de Paranaguá.

 

José Wille – O seu pai, Plínio Tourinho, era engenheiro militar. Veio daí a sua iniciativa de ir para a Escola Militar no Realengo e fazer carreira também?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Meu pai formou-se na Escola Militar da Praia Vermelha e depois fez o curso de Engenharia Militar na escola de Realengo. Casou-se aqui em Curitiba, em 1907, e depois voltou para fazer esse curso de Engenharia Militar. Regressando a Curitiba, serviu com Nilo Cairo no Batalhão de Engenharia. Aí, formou-se uma amizade e ele participou da fundação da Universidade do Paraná e depois da Faculdade de Engenharia do Paraná.

 

José Wille – E o senhor ingressou na Universidade do Paraná em 1929. Deve ter conhecido o início da história de nossa universidade.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Eu ingressei em 1929. Tinha mal acabado o ginásio, estava com 14 para 15 anos. Não podia ir para a Escola Militar, porque não tinha idade. Então, cursei o primeiro ano da escola. Peguei professores como o Teixeira de Freitas, professor de Descritiva, o João Perneta, de Cálculo e Analítica, e o professor Becker, de Física, já no primeiro ano. A escola era particular e os professores lecionavam mais por amor à escola do que pelos minguados vencimentos que recebiam, mas foi aí que se criou a Escola de Engenharia – com um punhado de engenheiros militares do Quinto Batalhão de Engenharia, que, levados pelo meu pai, foram lecionar lá, porque era muito raro haver engenheiros civis para esta atividade. Os poucos existentes estavam geralmente em cargos políticos.

 

José Wille – E o senhor, logo a seguir, foi para a Escola Militar do Realengo, no Rio?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Em 1930, eu assentei praça na Escola Militar do Realengo, no Rio, onde fiquei até 1933. O meu primeiro comandante de infantaria foi o Teixeira Lott, que mais tarde seria ministro da Guerra. Eu nunca poderia imaginar naquela época, cadete aos 16 anos, que isso poderia acontecer dentro de 20 e poucos anos. Depois, como deputado federal, muitas vezes fui conversar com ele. E também conheci o Castelo Branco, que era o nosso instrutor de Tática. Era um homem brilhante, um homem respeitado, um oficial de grande valor, que depois seria presidente da República. E o General Machado Lopes também era nosso professor de Fortificação. Ele foi diretor da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina e, depois, no Terceiro Exército, foi companheiro de Brizola naquele caso da posse complicada de João Goulart.

 

José Wille – Por isso acabou sendo afastado?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Foi para a reserva…

 

José Wille – Vinte anos em várias atividades dentro do Exército. E a construção de estradas e quartéis, como engenheiro?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Eu cheguei com 20 anos e fui para a Estrada da Ribeira. O meu primeiro acantonamento foi em Pedra Preta, que hoje tem outro nome… A estrada era construída pelo Exército. Era a rodovia Curitiba-São Paulo, Curitiba-Capela da Ribeira. Depois, trabalhei também no estudo da estrada de Rio Negro a Lajes, acampando no Vale do Itajaí. Estive também na Curitiba-Joinville e depois fui para a inspetoria de engenharia no Rio de Janeiro. Quando voltei, fiquei como instrutor do CPOR e fui para Guarapuava construir o Regimento de Cavalaria e a Vila Militar. E também projetei um batalhão de infantaria para Laranjeiras do Sul, que era a capital do território do Iguaçu. Depois de lá, voltei para o CPOR, até ser convidado para o Departamento de Estradas de Rodagem, no governo de Munhoz da Rocha.

 

José Wille – Mas, antes disso, teve uma participação longa na Universidade Federal do Paraná.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Eu fiz concurso de livre-docência, em 1949, para as disciplinas de Estatística Matemática e Economia Política e Finanças. Então, comecei a lecionar, paralelamente, na Escola de Engenharia e no CPOR.

 

José Wille – Como foi a sua ida do Exército para o DER, para cuidar das estradas do Paraná, no governo Bento Munhoz?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Eu não esperava. Eu estava no quartel e recebi um telefonema. Era o governador eleito, que ainda não havia tomado posse, Bento Munhoz da Rocha, meu conhecido, meu amigo. Eu tinha sido aluno dele em Geologia na escola e ele, por sua vez, foi um aluno brilhante na Escola de Engenharia. Ele me convidou para ser diretor do Departamento de Estradas de Rodagem, confidenciando-me que precisava de um elemento que não tivesse ligação nenhuma com os empreiteiros. Conversamos e ajustamos um prazo para eu pensar. Ao final de 5 dias, depois de consultar os companheiros de política, aceitei a nomeação. E fiquei quase 4 anos no Departamento de Estradas de Rodagem.

 

José Wille – Assumindo em 1951, quando muito havia a se fazer pelas estradas paranaenses.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Praticamente não havia estradas. A primeira viagem que fiz ao Norte foi um desastre. Eu saí de Piraí do Sul de manhã para chegar a Jacarezinho de madrugada. Saí de Jacarezinho de madrugada para chegar a Londrina na outra madrugada. Encalhando, encalhando e encalhando… Se eu dissesse que era diretor do DER, seria trucidado pelos motoristas. E, quando voltei de lá, procurei o governador e disse “A única solução para o Norte do Paraná é a pavimentação asfáltica. Se nós não fizermos isto, perderemos o Norte, pois ele pode se separar do Paraná”. Eles diziam que nós éramos o Paraná Pamonha e eles, o Paranapanema.

 

José Wille – E a presença paulista e mineira era muito grande no Norte do Paraná.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Só havia presença paulista e mineira. Eles diziam que, de Curitiba, no governo do Manoel Ribas, só iam para lá prefeitos nomeados e delegados de polícia truculentos. Era o que eles diziam. Então, disse ao governador para iniciarmos a pavimentação naquela região, pois na Cambé-Londrina já rodavam 4 mil veículos por dia. Esse era o movimento da via Dutra.

 

 

José Wille – E como foi a execução desse trabalho, inclusive a abertura da ligação – que ainda não existia – entre Sul e Norte do estado?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – A Estrada do Café, é preciso que se diga, começou praticamente no governo do Lupion. Mas com pá, picareta e galeota! Quando eu assumi, encontrei empreiteiras com 30 quilômetros de tarefa, trabalhando com pá e picareta. Eu quis rescindir o contrato para poder executar o serviço, mas o Tribunal de Contas tinha elementos do próprio Lupion. Não que o Lupion interferisse, era um homem que não fazia isso. Mas os dois membros do Tribunal impugnaram a rescisão desse contrato. De modo que nós continuamos a terraplenagem dessa estrada e não pude asfaltá-la, porque ela não estava pronta. Mas implantamos o serviço de aerofotogrametria, o primeiro no Paraná. Fizemos o reexame do traçado. Iniciamos com a estrada de Curitiba a Ponta Grossa, desviando Palmeira e encurtando 10 km entre Curitiba e Ponta Grossa. E, depois, retificamos Ponta Grossa – em vez de ir a Tibagi, fomos direto a Ortigueira, economizando 30 quilômetros. A economia entre Curitiba e Apucarana foi de 40 quilômetros. Isso, hoje, com 5 mil veículos por dia, corresponde a uma barbaridade em economia de estradas. É pena que esses problemas técnicos não sejam entendidos pelos políticos.

 

José Wille – Depois, houve a ligação até o Norte Novo e a chegada até Alto Paraná, já perto de Paranavaí. Essa abertura também foi nesse período, no começo da década de 50, quando o senhor estava no DER.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Deu-se nesse período. Dizia-se lá – me recordo – que “pela primeira vez na história do Paraná, ouve-se o ronco das máquinas de Estrada de Rodagem até a meia-noite”. Realmente, nós abrimos a nova estrada com 14 metros de largura, desde Melo Peixoto até Alto Paraná, para depois ser pavimentada.

 

José Wille – O que possibilitou a criação daquelas cidades e a colonização daquela região toda?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Sim. Já havia uma corrida extraordinária para o Norte do Paraná. Era uma coisa nunca vista no Brasil o que acontecia lá.

 

José Wille – Por que acabou sendo feita apenas a pavimentação de Londrina em direção a Cornélio Procópio e não a da estrada que cruzava o Paraná, de Norte a Sul?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Porque a base não estava pronta, não tinha condições… A Estrada do Café, hoje chamada Rodovia do Café, não estava pronta. E não havia condições de arrumá-la, porque o Tribunal de Contas não deixava. Ele impedia a rescisão de contrato com as empreiteiras, que não tinham capacidade para concluir o trabalho.

 

 

José Wille – O Plano Rodoviário do Paraná foi pensado nesse momento em que o senhor esteve à frente do DER. O senhor fez esse planejamento, que viria a ser o traçado rodoviário do Paraná moderno?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – A elaboração do planejamento rodoviário foi interessante, porque foi a primeira vez que se falou no Paraná de um plano baseado em estudos econômicos, geológicos, físicos etc. A intenção era fazer com que o porto de Paranaguá competisse com o porto de Santos. Eu me recordo muito bem que havia um trabalho do Coronel Mario Travassos dizendo que o porto de Paranaguá cada vez mais perdia valor em relação ao porto de Santos. Então, baseei-me nesse trabalho, criando cinco grandes troncos diretos para Paranaguá. Por ser o Paraná um estado destinado à exportação e não à importação, esses troncos, vindos das barrancas do Paranapanema e do Paraná, seriam dirigidos necessariamente para Curitiba. E temos a felicidade de que na Serra do Mar existem três gargantas no nível de Curitiba. Então, para transpor a Serra do Mar, não é necessário subir. Nós saímos de Curitiba a 900 ou 950 metros e passamos a serra também na mesma altitude. Ninguém pode competir com o Paraná! Hoje, essa ponte construída em Guaíra, que já foi objeto de estudo no tempo do Monteiro Tourinho, em mil oitocentos e setenta e pouco, no projeto de estrada de ferro, já estava na filosofia do plano rodoviário de entrar no estado de Mato Grosso e ligar toda essa região. Porque o que pouca gente sabe é que a vasta curva que descreve o litoral sul-brasileiro faz de Paranaguá o trecho do Atlântico mais próximo do Pacífico. Então, se nós ligarmos Paranaguá a Santos e levantarmos uma linha perpendicular, toda essa região, que os europeus chamam de Trópico de Capricórnio, uma das regiões mais ricas do mundo, estará mais próxima de Paranaguá do que de Santos. Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, está mais próxima de Paranaguá do que de Santos. Então, competia à engenharia do Paraná criar um plano que pudesse atrair essas regiões todas. Foi o que se fez com o plano rodoviário. Essa era a filosofia do plano rodoviário.

 

José Wille – A Estrada do Café é atribuída ao governo Ney Braga. Na verdade, o senhor acha que ela é anterior?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Ela começou no governo Lupion e foi continuada no governo Munhoz da Rocha, porque não havia condições de acabá-la. Depois, praticamente foi concluída no segundo governo de Lupion. Ney Braga a melhorou e a pavimentou. Mas a estrada vem desde o governo do Lupion.

 

José Wille – Sobre o período de Manoel Ribas, que ficou 13 anos à frente do Paraná – Ribas era de Ponta Grossa, mas esteve muito tempo no Rio Grande do Sul. O senhor fez um estudo sobre essa época da administração, que terminou em 1945, com este interventor indicado por  Getúlio Vargas.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – É muito difícil escrever história. Os nossos historiadores geralmente não conhecem geografia, muito menos técnica. De modo que grande parte da história é copiada dos jornais da época. Nós vivíamos em uma época de arrocho e a imprensa só publicava aquilo que o governo queria. É interessante o seguinte: dando-se um balanço na administração do Manoel Ribas, verifica-se que, em 13 anos, ele não aumentou um quilowatt na potência instalada no Paraná, nem fez um quilômetro de estradas asfaltadas. A grande glória que dão a ele é a construção da Estrada do Cerne. E essa estrada é um crime, porque, quando chegou a Castro, deveria vir por Ponta Grossa, Palmeira, Campo Largo e depois Curitiba, que estavam a novecentos e poucos metros. Estranhamente, ele abandonou essa região, o traçado dos tropeiros por cima dos Campos Gerais, e mergulhou a estrada nessa bacia do Ribeira do Iguape, que é a única região do Paraná não propícia ao traçado de estradas das vias de superfície. A travessia do Ribeirinha e do Assungui exige subidas e descidas de setecentos, oitocentos metros. Ao final, o sujeito sai de novecentos metros para chegar a Curitiba a novecentos metros, mas tem que descer setecentos metros duas vezes. Então, ele desceu e subiu 1400 metros de graça. Isso ninguém percebe.

 

José Wille – O senhor acha que faltava conhecimento ao interventor na época para ter essa visão estratégica do Paraná?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Faltava absolutamente o conhecimento. O Manoel Ribas viveu 30 anos no Rio Grande do Sul. Esses problemas não se adquirem de um dia para outro. Esses problemas são difíceis. É preciso conhecer a topografia do estado e a economia do estado para poder projetar uma estrada. Não é uma coisa fácil. Por exemplo, no governo Lupion, ele mandou criar a Antonina-Jaguariaíva. Inclusive, emitiu cem mil cruzeiros em apólices para financiá-la. Mas para trazer o que de Jaguariaíva para Antonina? Boi?

 

José Wille – O senhor acha que também ao governo Lupion faltava essa visão?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Faltava essa visão… O Lupion era um sujeito inteligente, muito inteligente, mas não tinha conhecimento da coisa pública. De modo que ele atacou vários serviços, inclusive a Curitiba-Paranaguá, que era uma obra importantíssima, mas tinha um contrato absurdo – um contrato verdadeiramente absurdo com uma empresa que se comprometeu a concluir a estrada Curitiba-Paranaguá, pavimentada e com duas pistas, em 26 meses, enquanto São Paulo tinha começado a Via Anchieta no governo Ademar de Barros em 1936, e ainda não a tinha concluído. Acontece que no contrato dizia que eram 26 meses após a entrega da última nota de serviço. E como os empreiteiros da construção eram os mesmos  empreiteiros do estudo, não se entregava a última nota de serviço e não se acabava a estrada. Procurei anular o contrato, mas só mais tarde, no governo do Ney Braga, ele foi anulado e a estrada entregue ao DNER. E o Paraná se sentiu incompetente para construir essa estrada.

 

José Wille – O senhor participou do governo de Bento Munhoz da Rocha. Como avalia o governo dele?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – O Bento era um homem extraordinário na cultura, caráter e honestidade. Só que ele era um homem para empreendimentos maiores. O Bento teria sido um excelente embaixador do Brasil nas capitais europeias. Ou um ministro. Mas sua vocação era mesmo o Parlamento, onde brilhou. Eleito em 1947 para a Constituinte, quem lê os discursos dele, suas polêmicas com ilustres deputados, inclusive o Raul Pila, admira-se da capacidade do Bento em discutir aquilo. E tinha grandes ideias… No governo dele, nunca me pediu para dar serviço para esse ou aquele empreiteiro que fosse amigo dele. Não, ele não se metia nessas coisas. Era um homem intangível, um homem puro, mas foi traído pelas circunstâncias da ocasião. E muitos daqueles que se fizeram nas costas dele o traíram depois.

 

José Wille – Ele lançou Ney Braga, com quem teve discordâncias, e que acabou ocupando todo o espaço político depois de Bento. A que o senhor atribui essa queda de Bento?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – O problema foi o seguinte: eu estava no Departamento de Estradas de Rodagem, quando o Aramis Ataíde, que na ocasião era secretário de Saúde, me procurou dizendo que o governador Bento queria muito conversar comigo. Então, eu fui ao Palácio São Francisco e o Bento me confessou que o diretório municipal do Partido Republicano estava nas mãos do Guerra Rego, que queria ser candidato a prefeito de Curitiba. E que ele tinha um compromisso com Ney Braga e queria que eu o lançasse pelo Partido Social Progressista. Eu lhe disse que era presidente do regional e não do municipal, a quem competia fazer o lançamento, mas que reuniria o municipal e trabalharia para atendê-lo. Houve muita discussão e tudo mais, mas, por fim, consegui registrar o Ney pelo PSP nessa campanha. E o PSP fez em Curitiba cerca de 10 mil votos. De toda essa votação que o Ney fez, dos 18 mil votos, nós lhe demos 10 mil votos. Depois, não sei por que, não digo as razões, pois não acompanhei isso, houve o afastamento. O Ney afastou-se do Bento e até o prejudicou nas candidaturas federais.

 

José Wille – Quando Ney Braga chegou à prefeitura de Curitiba, o senhor também poderia ter sido candidato a prefeito. Por que não houve a candidatura?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – O Marins Camargo, que era um político atilado, disse que eu devia ser o candidato e não o Ney. Mas eu havia assumido compromisso com o Bento e não sou de voltar atrás. Então, deixei de me candidatar. Eu teria sido eleito naquela época, pois eu fiz em Curitiba uma votação espetacular para deputado federal. Eu, sozinho, fiz mais que todo o Partido Republicano junto. E me elegi acima do quociente eleitoral.

 

José Wille – E, naquele momento, Bento tinha ainda a preferência por Ney Braga.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – E eu tinha compromisso com o Bento.

 

José Wille – O senhor disputou, logo a seguir, em 1955, o governo do Paraná. Como foi essa eleição?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Nessa eleição, fiz uma votação muito boa para deputado federal – 33 mil votos para 300 mil eleitores – e o partido me lançou. Então, nessa ocasião, houve um problema muito prejudicial ao Paraná. O governador Bento, instado pelo presidente da República, o Café Filho, deixou o governo do Paraná e foi assumir o Ministério da Agricultura. O Ministério não tinha expressão, sempre foi um ministério de funcionários públicos, e o dinheiro e os recursos estavam na carteira de crédito agrícola do Banco do Brasil. Mas o Bento entusiasmou-se com aquilo, pois acreditava no Café Filho. Então, as forças que o apoiavam cindiram-se – o PTB, a UDN e o PSP. A UDN lançou o Othon Mader, o PTB lançou Mario de Barros e o PSP lançou o meu nome. O PSD lançou o ex-governador Moisés Lupion. Somados os votos do Othon Mader, do Mario de Barros e os meus, fizemos 240 mil votos, contra 180 do Lupion. O Bento teria ganho e teria continuado a dominar a política no Paraná.

 

José Wille – Estrategicamente, foi um erro dele ter aceitado o convite para o Ministério da Agricultura?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Ele não podia ter deixado o estado do Paraná naquela ocasião. E confiante no Café Filho, que não era de nada. Ele tinha sido colega de meu pai na Constituinte de 1934. Na de 1946, ele gritava “Lembrai-vos de 37, lembrai-vos de 37!”. Parecia Delenda est Cartago, daquele senador romano (obs.: o senador romano Catão). Em 1950, o Ademar de Barros não pôde se candidatar a presidente da República, porque o seu vice, Novelli Junior, era genro torto do general Dutra, presidente da República. E o Ademar de Barros tinha se conflitado com o general Dutra. Se ele deixasse o governo, se desencompatibilizasse, entregaria o governo ao Novelli, que iria contra ele. Então, ele foi a Itu e convenceu Getúlio Vargas a ser candidato. E impôs Café Filho como vice-presidente. Na ocasião, eu, como deputado federal, em 1955, fui procurar o Café Filho, pois houve um conflito na Rede de Viação com o general Iberê, meu cunhado, e o Lucas Mendes, que era ministro. Ele me recebeu às 6 horas da tarde no Palácio do Catete, sentado em uma poltrona, e disse “Seu Tourinho, seu Tourinho, esse Brasil é um navio que não tem mais conserto. Remenda de cá, fura de lá. Por que não dão o golpe de uma vez?”. O presidente da República! Eu havia saído da praia do Russel depois de uma conversa com o Ademar de Barros, que tinha voltado ao Brasil depois daquela odisseia – a fuga, a perseguição que o Jânio Quadros fez a ele. Ele foi de Assunção a Santa Cruz de La Sierra. E estava entusiasmado, dizendo que ia se candidatar outra vez ao governo de São Paulo. Veja, o Ademar, um homem perseguido, estava com esse entusiasmo, e o Café Filho, um homem que recebeu de mão beijada a presidência da República, estava com aquele pessimismo. E, infelizmente, o Bento era muito honesto, muito sério, mas acreditou no Café Filho, que não era de nada.

 

José Wille – E o senhor teve uma desilusão como deputado federal, a partir de 1955, porque era um homem do Executivo, de trabalhar no DER… Chegando à Câmara Federal, o senhor teve uma má impressão?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Não é má impressão. A questão é a seguinte: desde os 20 anos, eu comecei a trabalhar em Engenharia, em construção de estradas, de quartéis… Depois, fui diretor do DER. Então, acostumei-me a ser executivo. Na Câmara, é preciso ter muita paciência. Às vezes, um deputado nordestino fala por duas horas sobre um problema da transferência de um inspetor de quarteirão lá de um município do interior do Ceará ou do Rio Grande do Norte. Eu não tenho paciência para assistir a isso. De modo que, quando terminou meu mandato, não quis mais voltar para lá.  Não tive interesse, ainda mais que iria para Brasília. E lá eu não vou de jeito nenhum!

 

José Wille – E, naquele tempo, como era a rotina de deputado no Rio de Janeiro? Havia muito conflito?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Não, realmente. Primeiro, o deputado não tinha regalia nenhuma. Eu ganhava dezoito mil cruzeiros por mês. Pagava nove mil de apartamento e tinha 3 filhos em escolas particulares. De modo que eu não podia nem vir ao Paraná para tomar contato, porque não tínhamos passagens de avião, não tínhamos telex, correios, assessores… Não tínhamos nada disso. Os projetos de lei nós mesmos redigíamos, batíamos a máquina e editávamos. Agora, foi uma época conturbada aquela do suicídio do Getúlio, antes da minha posse na Câmara. Já com o Café Filho na presidência, houve aquele problema com o Carlos Lacerda levantando que o Juscelino não tinha sido eleito por maioria absoluta. Então, criou-se uma turbulência dentro da política brasileira! O Café Filho ficou doente, teve aquele problema de infarto, foi para o hospital e assumiu o Carlos Luz. O Carlos Luz foi um homem interessante, porque, em 1937, quando Getúlio deu o Golpe Branco e fechou o Congresso, o Carlos Luz, líder da maioria, foi ao Catete felicitar o ditador por ter fechado o Congresso e recebeu a nomeação de presidente da Caixa Econômica. E, na presidência da República, achou de demitir o marechal Lott, sem conversar com o resto do alto comando. O marechal não quis voltar, mas o alto comando do Exército exigiu que ele voltasse. Então, houve aquela novembrada, senão o Juscelino não teria assumido o governo.

 

José Wille – Houve uma outra eleição importante em 1958. De novo, o senhor foi para a disputa da a prefeitura de Curitiba.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Nesse caso, também, era para cumprir a palavra que deixei de ser eleito. Eu me candidatei e havia outros dois candidatos: o candidato do Ney Braga e o candidato Iberê de Matos, pelo PTB. O Iberê estava muito forte, porque o PTB naquela época detinha a Caixa Econômica, o Ministério do Trabalho, o INPS e ainda tinha Jânio Quadros, disputando para deputado federal pelo Paraná, Souza Naves, que tinha tudo na mão, João Goulart, essa coisa toda… Mas havia, ainda, o Wallace Thadeu de Melo e Silva, pai do governador Requião. E, nessa ocasião, o governador Ademar de Barros me procurou e disse “Estou enviando uma proposta que o Lupion mandou fazer a você. Você retira a candidatura a senador do coronel Paula Soares – que era candidato pela UDN e estava aliado conosco – e apoia a do Munhoz de Melo, que é candidato pelo PSD. Nós retiramos a candidatura do Wallace Thadeu e apoiamos a sua para prefeito”. Eu disse ao Ademar de Barros que não tinha condições, pois já assumira meu compromisso com o Paula Soares. E o mais interessante é que toda a UDN desertou, deixando o coronel Paula Soares sozinho, e a mim também. De modo que eu cheguei em terceiro lugar.

 

José Wille – E acabou se elegendo o general Iberê de Matos.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Ah, sim, o Iberê de Matos. Ele fez 32 mil votos, o candidato do Ney fez 28 mil, eu fiz 18 mil e o Wallace Thadeu, 14 mil. Se tivesse me unido, teria feito os 32 mil votos e seria eleito prefeito de Curitiba.

 

José Wille – Logo a seguir, veio a eleição de Ney Braga para o governo do Estado, aproveitando o nome de Jânio Quadros. O que definiu a eleição de Ney Braga?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Esse foi um fato também de questão de manutenção de palavra. O candidato que apoiamos, inclusive com o ex-governador Bento Munhoz da Rocha, foi o Nelson Maculan. Uma figura muito simpática, muito boa e tal, porque não podíamos ir de jeito nenhum com o Ney Braga. Mas acontece que o Jânio Quadros não era simpático à candidatura do Ney. Ele queria a candidatura do Maculan, mas queria que ele se desvinculasse do Lott. O Maculan, nessa ocasião, conversou comigo e com o Iberê, alegando que não podia se bandear do Lott para o Jânio Quadros para ganhar uma eleição. Então, aguentou até o fim, o que se tornou um peso pesado – foi difícil de carregar o general Lott na campanha eleitoral. Eu mesmo abandonei a campanha, desisti, porque não dava para acompanhar. E, desta vez, o Maculan perdeu por pouco, mas foi em virtude de manter a palavra dada com o compromisso que tinha com o general Lott.

 

José Wille – O que definiu a eleição de Ney Braga?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Foi o Jânio Quadros! Até hoje eu não compreendo esse fenômeno Jânio Quadros. O Jânio é aqui de Curitiba. Eu o conheci guri, moleque, na rua Riachuelo. O pai dele tinha uma farmácia na esquina da rua 13 de Maio com a Riachuelo e saiu daqui meio corrido, em 1930, por vender entorpecentes. Foi para São Paulo, se candidatou a vereador e, em seguida, o Jânio fez a mesma carreira. Mas eu até hoje não entendo…

 

José Wille – Mas o fato é que a popularidade de Jânio Quadros, quando Ney usou o nome dele na candidatura ao governo, foi fundamental?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Foi fundamental! Arrastou e ganhou as eleições.

 

José Wille – Os anos a seguir, no começo da década de 60, foram bastante tumultuados. O senhor já não estava mais no Exército, mas acompanhou a distância o que estava se passando. Ney Braga aderiu ao Movimento Militar. Mas, antes teve aproximação com João Goulart?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – O problema é o seguinte: ele era governador do estado e não podia adivinhar que viria uma rebordosa como a de 1964. Como ele precisava de verbas e recursos federais – e o presidente era o João Goulart –, ele se aproximou dele. Os jornais da época diziam “Comícios em Pernambuco Pró-Reforma Agrária, reformas de base, nem que seja na marra” – todas declarações de Ney Braga. Então, o que me surpreendeu é que, na madrugada de primeiro de abril de 1964, chegaram a Curitiba dois generais, o Cordeiro de Farias e o Nelson de Melo, pela Estrada da Ribeira. Fecharam-se no Palácio do Governo e, no dia seguinte, o Ney apareceu como chefe da Revolução. Se ele não fizesse isso, estaria deposto, porque a guarnição federal já estava toda rebelada em Curitiba e não teria outra escapatória. Mas ele mudou assim, de uma hora para outra, em condições para salvar sua situação de governador.

 

José Wille – Na visão histórica, como se explica a continuidade do domínio que Ney, por tanto tempo, exerceu na história paranaense, partindo da prefeitura, passando pelo governo do estado e alcançando ministérios?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Ele é muito hábil, não se pode misturar o comportamento político dele com o comportamento administrativo. Ele realmente fez um excelente governo. Escolheu bons auxiliares, bons engenheiros auxiliares, ele fez um bom governo. Depois, ele ficou no ostracismo nos governos de Costa e Silva e de Garrastazu Médici, que não gostavam dele. Mas, para a sua felicidade, surgiu o presidente Geisel, que era amigo pessoal dele, comandava a região aqui quando ele era governador, e que era da mesma arma de artilharia do Exército. E o Ney é muito hábil nesse relacionamento com superiores, muito hábil nisso… Então, acabou dominando a política do Paraná por mais algum tempo durante o período revolucionário.

 

José Wille – E o período revolucionário? O senhor, que esteve dentro do Exército, como analisa o papel que teve esse período – de 1964 até a reabertura democrática do Brasil?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – O período militar mudou a feição do Brasil, sobretudo na infraestrutura. Foram grandes projetos: transportes, rodoviários, a telecomunicação… Então, houve uma verdadeira revolução. Mas, para o Exército, não foi bom. Para o Exército seria bom o que Castelo Branco queria: terminado o período dele, colocar um presidente civil e o Exército ficaria por fora, garantindo. Mas, de qualquer maneira, não se pode desmerecer esse esforço que o Exército fez, inclusive a construção da usina de Itaipu. Se não tivesse feito Itaipu, o Brasil estaria às escuras. Nós estamos vendo o que está acontecendo no Rio de Janeiro: em virtude do calor, há um aumento de aparelhos condicionadores de ar e não há condições de manter o fornecimento de energia lá.

 

José Wille – O senhor acha então que a permanência do Exército no poder se estendeu demais?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Demais, demais… E o Costa e Silva pessoalmente era um homem bom, mas não era um homem capaz de presidir o Brasil. E o Garrastazu, embora tenha feito o Milagre Brasileiro, na sua época, também não tinha cultura suficiente para ser presidente da República. Já o Geisel era um homem culto, um oficial brilhante, mas era um poço de vaidade. De modo que, se tivessem encurtado esse período, tivessem dado mais 3 anos ao Castelo Branco para pôr o país em ordem e depois colocarem um substituto civil, o Brasil seria outro hoje.

 

José Wille – O curioso é que a corrupção não desapareceu no período militar. O senhor próprio fez um relatório, durante um período de intervenção no Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, relatando os problemas que observou por lá.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Eu passei 6 meses como interventor no Instituto Brasileiro de Reforma Agrária a pedido do Ivo Arzua, então ministro da Agricultura. O Ivo tinha sido meu auxiliar no Departamento de Estradas de Rodagem e meu assistente na cadeira na Escola de Engenharia. Na ocasião, insistiu comigo, mandou um avião me apanhar e eu acabei caindo nessa arapuca do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, que era um antro de corrupção. Uma coisa tremenda! Não só corrupção monetária como sexual também. O instituto funcionava no Catete. Quando saí de lá, 6 meses depois, para garantir a minha situação, fiz um relatório que dizia que parecia inacreditável que um órgão, criado pela Revolução e vivendo nas barbas do Serviço Nacional de Informações, tivesse tanta corrupção. Isso me valeu, tanto que, quando indicado para a direção da Escola de Engenharia, o presidente Garrastazu disse não, porque eu disse a verdade no relatório do SNI. Realmente, a corrupção no Brasil é indestrutível!

 

José Wille – Afastado da política e da universidade, a década de 60 foi o período de seu trabalho no IBC.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Sim. Fiquei afastado da universidade também, porque, naquele tempo, a condição não me permitia, como oficial, mesmo da reserva, qualquer acumulação de cargos. Então, fui convidado pelo coronel Paula Soares, presidente da junta administrativa do IBC, para ser assessor. Havia uma verba de auxílio aos estados e municípios cafeicultores para obras de infraestrutura. Coordenei isso durante 4, 5 anos na junta administrativa do IBC. Em 1967, com a nova Constituição, que permitia acumular cargos, eu reassumi a minha cadeira na Escola de Engenharia  – de 1967 até 1982, quando o quadro único me aposentou compulsoriamente, aos 78 anos de idade.

 

José Wille – O senhor acompanhou a história política e a presença do Paraná no governo federal, que, historicamente, é menor que a sua importância econômica e política.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Realmente. O Paraná é um estado difícil, porque, em Santa Catarina, por exemplo, mesmo as oposições apoiam quando se trata de um candidato catarinense. No Rio Grande do Sul é a mesma coisa. Mas nós aqui temos certas manias interessantes. Nós gostamos de dar valor aos de fora; aos nossos aqui não damos valor. E isso é em todas as áreas, até na literatura. Só vale o que é de fora, a nossa não vale nada. A menos que seja pornográfica…

 

José Wille – Porque o senhor acha que o Paraná tem dificuldade de afirmação da sua identidade, da sua cultura?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – O Paraná é um estado difícil, o Paraná é um estado de imigração, nacional e estrangeira. Quando eu fui deputado federal, tive um colega de partido chamado Deodoro de Mendonça, que era deputado pelo estado do Pará desde 1902. Aqui no Paraná eu fui presidente de partido, organizava-se um diretório em Umuarama, um mês depois voltava-se a Umuarama e não tinha ninguém lá. Todo mundo já estava em Nova Londrina ou em Campo Mourão. De modo que essa mobilidade paranaense e essa intromissão de gaúchos e catarinenses aqui no Sul e de mineiros, paulistas e nordestinos no Norte mataram a identidade paranaense. Nós ficamos aqui nessa ilha de Paraná antigo – Curitiba, Ponta Grossa, Paranaguá, Lapa, Palmeira e Campo Largo – e o Paraná passou a se desenvolver em outra esfera. E nós mesmos provocamos este processo. Reclamei ao prefeito Greca, com liberdade – pois gosto muito dele, admiro o trabalho dele, pois foi meu aluno  – “Mas dar o nome de Farol do Saber a Mário Quintana? Por que não Vítor do Amaral, Nilo Cairo, que foram fundadores da nossa sociedade? O que Mário Quintana fez pelo Paraná?”. E agora ocorre a mesma coisa – Ponte Ayrton Senna… O que ele fez pelo Paraná? Não fez nada, nós não o conhecemos. Se fosse um autódromo, está certo. Então, nós matamos a identidade do Paraná!

 

José Wille – O senhor acha que falta valorização da própria cultura, da própria gente paranaense?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – …Da própria cultura do Paraná.

 

José Wille – O que levou o senhor a se dedicar a escrever tanto, contando a história do Paraná?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Eu não posso explicar, compreende? Porque eu sento e começo a escrever. As coisas vão se encadeando e minha memória trabalha como se fosse um computador. E eu vou escrevendo… Tanto que o próprio Brasil Pinheiro Machado me disse “Você inovou a maneira de fazer a história”. Eu fugi daquela história científica e numérica da universidade. Eu acho que nós deveríamos escrever uma história que agrade ao leitor. Que o leitor compreenda os fatos históricos e que os interprete. Mas, para isso, é preciso conhecer economia, geografia, estatística, geologia… Eu sempre digo que não há história sem geografia, geografia sem geologia, e assim sucessivamente. Você tem que conhecer tudo isso. E, para a minha felicidade, fui um estudioso de tudo isso, porque tenho essa facilidade. Os livros, a gente os escreve e, com sacrifício, publica-os. O Instituto Histórico é um instituto pobre e vai completar agora 100 anos de existência – devemos isso ao Romário Martins e outros grandes nomes do jornalismo paranaense –, mas a dificuldade para editar um livro nosso no Paraná é grande.

 

José Wille – O senhor falou antes da ponte de Guaira, que já tinha estudos antigos.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Na administração de Lamenha Lins, ainda na época da província do Paraná, há um relatório dele em que se menciona o memorial do engenheiro Monteiro Tourinho sobre a ligação Atlântico-Pacífico, que seguiria pelo vale do Piquiri e transporia o rio Paraná no Salto de Sete Quedas. Mais tarde, como diretor do DER, designei o engenheiro Rodolfo Anchi para fazer um estudo dessa ponte. Ele me apresentou duas soluções – naquele tempo ainda não se falava em Itaipu. Uma das soluções ficaria abaixo dos saltos e na cabeceira, caindo em território paraguaio, e seria uma ponte em arco. E outra ficaria sobre a beirada dos saltos, mais extensa, com a outra cabeceira em Mato Grosso. A ideia desses dois projetos está publicada na revista do Departamento de Estradas de Rodagem do meu tempo.

 

José Wille – E o senhor fez também um estudo sobre a engenharia na época do Império, que era quase exclusivamente militar.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – A engenharia era quase só militar. Começou aqui com a demarcação das fronteiras do tratado de Santo Ildefonso, em 1750, em Foz do Iguaçu. Você fica admirado como aqueles homens determinavam latitude e longitude naquela época! A latitude de Foz do Iguaçu calculada por eles difere muito pouquinho da que calculamos hoje por satélites. Depois, vieram os engenheiros militares, que executaram a construção da estrada estratégica e das linhas telegráficas para Foz do Iguaçu, as colônias militares de Chopin, Chapecó e de Jataí, a Estrada da Graciosa, a estrada de Mato Grosso… Porque era um império que não tinha escola de engenharia civil, tinha escola de engenharia militar. Havia dez escolas para ensinar catecismo, dez escolas de teologia sustentadas pela monarquia. Quem fundou a primeira escola de Engenharia foi a Politécnica do Rio de Janeiro, em 1873.

 

José Wille – A aerofotogrametria veio depois, quando o senhor estava no DER, na década de 50. Mas, antes disso, eram medições muito complicadas. E eles acabavam acertando?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – O primeiro mapa do Paraná é de Monteiro Tourinho e foi oferecido ao Instituto Histórico do Rio de Janeiro.

 

José Wille – E isso exigia andar, medir, calcular…

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Eu não sei até hoje como os portugueses conseguiram levantar a costa brasileira. Se pegarmos, por exemplo, a baía de Paranaguá em mil seiscentos e tanto, você vê tudo… Estão lá os nomes Ilha das Peças, Ilha do Mel… Até os campos de Curitiba aparecem. Como esses homens, esses portugueses, fizeram esses mapas?

 

José Wille – A Revolução de 1930 no Paraná é outro estudo que o senhor publicou…

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – É a timidez do paranaense, que acontece até hoje. Em 1930, o Paraná deu a vitória. O próprio Getúlio Vargas, em telegrama que passou, dizia “Bravos, bravos, sigo com povo e Exército ao encontro do Paraná”. Porque, naquela época, o Exército não era mecanizado, era tracionado por animais, sobretudo a artilharia. Era época de chuvas, mês de outubro, e se a 5ª Região Militar tivesse destruído a ponte de União da Vitória e a ponte do Rio Uruguai, o Rio Grande do Sul não teria como chegar ao Paraná, a não ser levando 30 ou 40 dias. Aconteceria o que aconteceu na Lapa, quando o general Carneiro lutou por vinte e tantos dias, o que deu tempo de o Marechal Floriano reagrupar seu dispositivo militar, chegar a Castro e expulsar os revolucionários. Em 1930, daria tempo para Washington Luís comprar uma viação de bombardeio, assim como Floriano comprou uma esquadra, e liquidava com o Rio Grande do Sul naquela revolução. O Paraná deu a vitória de 1930 a ele, mas Getúlio Vargas não reconheceu isso.

 

José Wille – Sobre a política do Paraná na República Velha, no começo do século, o senhor diz que tem muita história para contar desse período.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Tem, tem muita história, a partir da proclamação da República. Primeiro, quando foi praticamente caçado o senador Generoso Marques. Depois, houve outra tramoia que se fez para tirar da presidência o médico João Cândido Ferreira… É uma série de tramóias. E é interessante como pontificou-se aqui o capitão Carlos Cavalcanti, que chegou a governador do estado e foi senador e deputado por várias vezes. Era um carioca que chegou aqui em Curitiba e casou-se com uma família daqui. Falava muito bem e fez carreira aqui. Essa foi a política até 1916, quando Affonso Camargo assumiu o governo. Depois, vieram os dois períodos do presidente Munhoz da Rocha, do Caetano, pai do Bento. E, depois, mais um período do Affonso Camargo, interrompido pela Revolução de 1930.

 

José Wille – Que comparação o senhor faz da política que o senhor conheceu muito bem da década de 50 e 60 e da política que se faz hoje?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – A política naquele tempo era mais familiar, os nossos companheiros de política eram nossos amigos. Tínhamos o diretório, aqui em Curitiba, do Partido Social Progressista, que era quase todo de professores universitários. Gente boa, gente excelente! Hoje, a política é a base monetária, à base do dinheiro. Eu não teria condições de entrar na política de maneira nenhuma! Quando eu passo hoje na rua XV de Novembro, na Rua das Flores, em Curitiba, e vejo aquela multidão, eu digo que seria um suicídio me candidatar a alguma coisa, pois eu não conheço mais ninguém.

 

José Wille – Da Faculdade de Engenharia, na qual o senhor trabalhou tanto tempo, muita gente surgiu. Ela foi muito importante na formação de líderes que tiveram papel importante na administração do estado.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Sem dúvida! Da universidade saíram governadores como Parigot de Souza, Bento Munhoz da Rocha, esse menino de Irati, o Emílio Gomes, e o Colombo Sales, de Santa Catarina, que é formado aqui também. Saíram Flávio Lacerda, Ivo Arzua, Euro Brandão… Sete ou oito ministros… Então, se apagar-se tudo que essa escola e a engenharia deram ao Paraná, apaga-se o Paraná.

 

José Wille – Anteriormente, as candidaturas surgiam dos meios universitários, de pessoas que vinham de uma profissão bem-sucedida. Hoje, vale mais o talento verbal. O candidato fala bem, mas, muitas vezes não tem grande conteúdo.

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – O Ademar de Barros me dizia “Para ganhar uma eleição, precisa ser conhecido” – como jogador de futebol, como radialista, jogador de pingue-pongue, mas tem que ser conhecido. Hoje, um professor universitário que recursos tem para disputar uma eleição? Os próprios militares que se projetaram, desapareceram… Há uma queda de capacidade dessas organizações antigas que mantiveram o Brasil, como a universidade e o Exército. O Exército do Paraná tinha uma projeção extraordinária, assim como a universidade. Hoje, a iniciativa privada chama todos os inteligentes. Hoje, não há mais catedráticos e os professores não vão mais disputar eleições.

 

José Wille – Finalizando, na visão estratégica que o senhor tem do Paraná: como vê esse momento do Estado. Há um fato novo acontecendo em relação ao futuro?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – Há um fato novo. Realmente, o Paraná não pode ficar só na agricultura. Se ficar na agricultura, o PIB per capita será sempre baixo. Só a industrialização do estado pode conduzir a isso. Agora, nós tivemos uma situação desfavorável: São Paulo industrializou-se às custas do café. Quando o café chegou ao Paraná, a partir de 1930, veio o confisco cambial, criado pelo ministro Whitaker, um paulista que subtraiu recursos do Paraná. Se você somar, de 1930 até hoje, quantos milhões de sacas o Paraná produziu e exportou e calcular o confisco feito sobre esse café… Dava para fazer tudo que o Paraná precisava e sobrava mais um pouco. Então, São Paulo se industrializou graças ao café. E o Paraná, quando chegou a sua vez, foi punido pelo confisco cambial.

 

José Wille – O senhor acha que essa preocupação de São Paulo é permanente – com o fato de o Paraná despontar?

 

Luiz Carlos Pereira Tourinho – É permanente essa preocupação.

 

 

 

 

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