Reinhold Stephanes foi o paranaense mais convidado para cargos de comando em Brasília
Filho de pequenos produtores rurais, Reinhold Stephanes é formado em Economia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e especializado em Administração Pública, na Alemanha, e em Desenvolvimento Econômico, pela CEPAL/ONU. Stephanes trabalhou no Ministério da Agricultura durante oito anos, no início dos anos 70, e foi Secretário da Agricultura do Paraná de 1979 a 1981. No Executivo Federal, foi presidente do Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), Ministro de Estado do Trabalho e Previdência Social e Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social. Entrevista gravada em julho de 1998.
José Wille –“Stéphanes” é a pronúncia correta de seu sobrenome, mas o senhor ficou conhecido como “Stephânes”.
Reinhold Stephanes – É, a origem é “Stephan” e depois foi acrescentado o “es” no Brasil. Uma família que migrou com um conjunto de famílias que veio da Alemanha no século passado e se estabeleceu na região de Rio Negro. Depois, parte desta família migrou para a região de Porto União, Calmon, Caçador, até Campos Novos. E eu nasci lá, sou descendente dessas famílias que migraram ali para a região de Porto União.
José Wille – Uma família do Paraná, Rio Negro, que acabou indo para Porto União. O senhor nasceu no estado de Santa Catarina?
Reinhold Stephanes – Eu nasci no estado de Santa Catarina. Depois, me criei em União da Vitória e, com doze anos, vim aqui para Curitiba.
José Wille – O senhor ficou sozinho muito cedo. Por quê?
Reinhold Stephanes – Eu tinha pais que se separaram logo cedo, quando eu tinha cinco anos de idade. Eu passei alguns anos, então, morando com meus avós. Aos dez anos, eu fui colocado num internato, que hoje é a Escola Rural, em Rio Negro, mas, naquela época, era quase que um orfanato, não chegava ainda a ser uma escola, nos moldes que é hoje. E, dois anos depois, consegui uma vaga – através de um deputado da região na época, Antônio Baby, conhecido dos meus avós – no internato da Escola Técnica de Curitiba, onde fiquei por alguns anos. E, quando eu terminei o curso chamado Industrial nesta escola, onde aprendi a trabalhar com couros – sapataria, bolas, bolsas etc., saí do internato e fui morar em uma pensão sozinho. Continuei o curso técnico de Edificações nesta escola, mas não mais no regime de internato. Aí, eu já trabalhava, fazendo ou consertando sapatos, como sapateiro ou mesmo fazendo bolas – para a Pugsley e para a Casa Walter, que forneciam material para a gente trabalhar em casa. Aí, eu ganhava o dinheiro e continuava estudando.
José Wille – Desde criança, então, o senhor teve que enfrentar a vida praticamente sozinho. Em orfanato, na Escola Técnica, morando em pensão, estudando e trabalhando. Isso gerou algum trauma ou ajudou a amadurecer mais cedo?
Reinhold Stephanes – Foi uma vida muito difícil. Concordo que, olhando para trás, foi uma vida difícil. Mas que foi muito importante, foi uma lição de vida que eu tive. Eu aprendi a, efetivamente, enfrentar a vida muito cedo, e estava maduro muito cedo. Depois, aos dezoito anos, eu diria que as coisas ficaram um pouco melhores. Eu fui para o Exército; então, pelo menos, lá você tinha cama e comida no próprio Exército. Fiquei cinco anos, primeiro como soldado, depois como cabo. E, nesse período, evidentemente, eu aproveitei para continuar estudando. Ou seja, eu comecei a cursar minha faculdade, enquanto estava no Exército. Saí do Exército quando estava já no terceiro ano da faculdade de Economia.
José Wille – O senhor pensava em fazer carreira como militar, permanecer no Exército?
Reinhold Stephanes – Na época em que cheguei ao Exército, ainda existia curso de cabo e de sargento na tropa. Eu fiz logo que entrei, tirei primeiro lugar no curso de sargento, quase fui promovido e removido para outro estado, mas, por algumas razões, eu acabei não sendo promovido. Tentei fazer academia militar, era um sonho meu, mas também não consegui sequer fazer inscrição para a academia militar, porque, na época, você precisava de indicação de um militar de alta patente. Como eu vinha de família bastante humilde, eu não consegui essa indicação. Optei por fazer o vestibular de Economia, na Federal, passei e comecei a estudar. O curso era noturno, portanto compatibilizava com a minha atividade no Exército durante o dia com o curso noturno. E, quando estava no terceiro ano da faculdade, num dos cursos de verão que a universidade promovia, eu fui chamado para me pronunciar sobre alguns assuntos do curso. E um dos professores era o irmão do então governador Ney Braga, o Guilherme Braga, que era professor da Universidade Federal. Ele se impressionou com a minha colocação, perguntou onde eu trabalhava, e eu disse que era cabo no Exército. Ele disse “mas você, com essas condições, esse talento, deveria conseguir outra atividade, que já o encaminhasse para a sua formação de Economia”. E me convidou para fazer um teste de Q. I. no estado. Fiz o teste e tive uma aprovação muito boa. O secretário de Governo na época, uma pessoa muito conhecida no Paraná, que ficou muitos anos como secretário de Educação, o professor Véspero Mendes, resolveu me entrevistar e achou que eu tinha condições de aprender e me desenvolver nas atividades de orçamento do estado. E me indicou, então, para trabalhar nestas atividades. Então, pedi minha demissão de cabo no Exército e fui trabalhar no estado do Paraná.
José Wille – Então, o curso de Economia e esse acontecimento foram marcantes, foram uma mudança de vida?
Reinhold Stephanes – Sim. Isso foi uma mudança muito grande, pois dali para adiante eu passei a ter uma atividade já na direção da profissão que eu havia escolhido. Tive uma formação muito boa, porque o estado, naquela época, treinava muito seu pessoal, havia treinamento de todas as formas. Logo fui incluído para fazer um curso de orçamento por seis meses e, portanto, dispensado do trabalho para continuar meu treinamento; depois, fui indicado para fazer o curso da CEPAL. Logo em seguida, surgiu um concurso no estado para técnico de orçamento, no qual fui aprovado com a classificação de segundo lugar. Enfim, tive um grande aprendizado no estado… E o passo seguinte foi na Prefeitura de Curitiba, quando era prefeito Ivo Arzua, que precisava de um chefe de orçamento. Aí, tirando informações, eu acabei sendo indicado para o cargo. Mais tarde, desenvolvendo esta atividade, surgiu um concurso para estudar na Alemanha e uma das condições era falar a língua alemã…
José Wille – O senhor falava alemão desde criança?
Reinhold Stephanes – Sim, eu já falava, e também tinha feito dois anos de Instituto Goethe, quer dizer, eu tinha um conhecimento razoável de alemão. Aí, eu me candidatei, passei e fiquei um ano estudando na Alemanha. E, logo no retorno – eu tinha 25 anos naquele momento – numa crise que houve na Prefeitura de Curitiba, o Ivo Arzua me convidou para ocupar o cargo hoje equivalente a secretário da Fazenda do município de Curitiba.
José Wille – Em 1966.
Reinhold Stephanes – Isso, em 1966. Eu talvez fui o mais jovem secretário da Fazenda da Prefeitura de Curitiba em toda a sua existência. É um fato curioso, porque eu era uma pessoa muito simples, andava só de colete e camisa; então, disse ao Ivo Arzua “eu não tenho roupa, não tenho nem como comprar roupa” e ele respondeu “você vai ter que dar um jeito no terno, vai ter que assumir o cargo de secretário da Fazenda e lá tem que trabalhar de terno”. Acabei aceitando. As coisas acabaram se sucedendo com muita facilidade, já vinham sucedendo coisas importantes no meu caminho, mas começaram a acontecer de forma muito rápida.
José Wille – O senhor integrou a equipe que montou o Plano Diretor na cidade?
Reinhold Stephanes – Sim. Eu, nesse período, antes de ser secretário da Fazenda do município, até antes de ir para a Alemanha, havia sido designado para trabalhar naquela equipe inicial de elaboração do Plano Diretor de Curitiba, cuja equipe era coordenada por aquele arquiteto de São Paulo, Jorge William. Desta equipe faziam parte a Dulce de Aquino e a Franchete, duas pessoas muito importantes no desenvolvimento do município de Curitiba; o Almir, um arquiteto; e o Jaime Lerner, que, naquela época, também iniciava as suas atividades. Nós tivemos um desenvolvimento e um aprendizado muito grande na elaboração do Plano Diretor de Curitiba. E aí tem outro fato curioso: eu fui o primeiro expositor do Plano Diretor de Curitiba nos seus aspectos socioeconômicos à sociedade na televisão e, nesse dia, durante a exposição, meu filho Júnior – que hoje é secretário de Administração e Recursos Humanos do Jaime Lerner – nasceu.
José Wille – A sua primeira ida para Brasília foi com Ivo Arzua, quando o então prefeito foi convidado para o Ministério da Agricultura?
Reinhold Stephanes – Sim. O Ivo Arzua era prefeito, e foi considerado um grande prefeito, com grandes inovações, por isso se projetou nacionalmente e foi convidado para ser ministro da Agricultura. Ou seja, uma atividade totalmente diferente. E eu continuei ainda, por seis meses, como secretário da Fazenda do novo prefeito, o Omar Sabbag, que assumiu em seguida e que me manteve no cargo, até que o Ivo Arzua me solicitou que fosse a Brasília para organizar as finanças do Ministério da Agricultura. Fui para Brasília, fiquei lá um período e depois me foi solicitado que ocupasse o cargo de Secretário Geral do Ministério da Agricultura. Quando Ivo Arzua veio embora, retornando ao Paraná, na mudança de governo, o governo Médici assumiu e trouxe consigo um ministro do Rio Grande do Sul, Fernando Cirne Lima, que me manteve na sua equipe recém-formada. E eu fiquei mais quatro anos trabalhando com o novo ministro. Eu ocupei quase todas as posições dentro do Ministério, menos a de ministro.
José Wille – Foram vários cargos em Brasília e, em grande parte deles, pelo seu próprio esforço. Só mais tarde o senhor teve ligação com o governo Ney Braga. Mas boa parte da sua carreira foi independente, conquistada praticamente sozinho.
Reinhold Stephanes – Foi sempre uma carreira como profissional e uma carreira como técnico. Eu não tinha nenhuma vinculação nem a pessoas, nem a partidos, nem a grupos. Eu me projetava pelas oportunidades que me eram apresentadas de trabalho e do aprendizado que eu estava tendo. Porque, quanto mais eu trabalhava, mais eu aprendia, e quanto mais eu conseguia realizar, mais eu era solicitado, como técnico e como profissional. Então, no Ministério da Agricultura, eu tive algumas funções muito importantes, como secretário de Planejamento, secretário geral, fui o autor do projeto que criou o INCRA, depois fui designado, por decreto do presidente Médici, a implantar o INCRA, e fui também o coordenador da comissão que criou a Embrapa. Enfim, eu me especializei em criar órgãos, em organização, racionalização de órgãos. Essa é uma curiosidade: como eu vinha de uma área muito simples, até provinciana, de uma família também, e tive uma vida dura e difícil, vivendo num ambiente simples, acabei me tornando uma pessoa simples. E eu encarava a solução dos problemas também com muita simplicidade. Então, quando disseram “você tem que elaborar um projeto de lei, criando um órgão de colonização e reforma agrária”, extinguindo na época dois outros órgãos que operavam na área, o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário e o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, eu acabei elaborando uma lei com dois artigos, um artigo criando o órgão e extinguindo os outros dois órgãos, e um segundo artigo revogando discussões em contrário. Ou seja, o decreto-lei que cria uma instituição mais curto que houve no Brasil. E, evidentemente, funcionou, porque eu fazia todas as coisas com muita simplicidade e com muita objetividade.
José Wille – O senhor foi o primeiro responsável pelo INCRA, depois do surgimento do órgão?
Reinhold Stephanes – Sim. Eu acabei sendo o primeiro responsável pelo INCRA.
José Wille – Como foi a sua mudança, em 1974, da agricultura, do INCRA, do Ministério da Agricultura, para uma área nova, que seria o começo da sua carreira na Previdência Social, presidindo na época o INPS?
Reinhold Stephanes – Essa é uma questão também muito curiosa, que mostra que eu tive muitas chances e muitas oportunidades, que batiam na minha porta quando eu menos esperava. Mas a história se estabelece quando eu fui presidente da comissão que coordenava a criação da Embrapa e havia convidado um professor da Fundação Getúlio Vargas para participar desses trabalhos. E esse professor, que depois me contou isso, ficou muito impressionado com a forma com que eu agia e com a maneira como eu trabalhava. E, mais tarde, o Geisel se elegeu presidente da República, e esse professor era ligado ao presidente. E a Previdência Social, na época o INPS, estava com problemas muito sérios, com comissões parlamentares de inquéritos, com corrupção, muitos problemas; enfim, um caos… Então, este professor, numa conversa com o presidente Geisel, disse que conhecia um jovem – eu, no caso – que trabalhava no Ministério da Agricultura, mas que era um grande administrador e que teria condições de resolver e enfrentar essa questão. Em função dessa indicação, fui convidado pelo Chefe da Casa Civil, o ministro Golbery, para uma entrevista, que eu recusei, porque havia sido nomeado alguns dias antes pelo ministro da Educação, Ney Braga, a ocupar uma secretaria no seu ministério. Eu já estava bem e tendo uma grande mudança de atividade, da Agricultura para a Educação. Portanto, não queria aceitar essa nova posição. Mas, uma semana depois, me ligaram novamente e pediram que eu aceitasse essa entrevista. Fui conversar com o Ney Braga e expliquei “sinto muito, mas estou aqui há poucos dias, ocupando um cargo nomeado pelo senhor, e estou até constrangido, porque estou sendo insistentemente convidado para ser presidente do INPS, que eu não sei nem exatamente o que é”.
José Wille – Até essa data o senhor não conhecia pessoalmente Ney Braga?
Reinhold Stephanes – Não, eu só o tinha conhecido pouquinho tempo antes, quando ele me convidou para ser secretário do Ministério da Educação, mas eu não tinha maior contato com ele. O Ney Braga me disse “mas você não entendeu ainda que o INPS é um dos maiores órgãos do país, com mais de 150 mil funcionários, tem o segundo orçamento do país, e você tem que aceitar”. Então, o próprio Ney Braga pegou o telefone, ligou para o ministro Golbery e disse “olha, o rapaz está indo aí para ser entrevistado”. Foi desta forma que eu acabei sendo presidente de um órgão cujas atividades não conhecia e que me deu novamente uma grande oportunidade, porque era um grande desafio. Todos os ex-presidentes deste órgão tinham se saído mal ou tiveram problemas sérios após administrarem este órgão – ou envolveram-se em inquéritos ou foram considerados maus administradores. Eu lembro que até um deputado, quando eu fui chamado para uma comissão de inquérito na Câmara, dizia que o INPS era como a Esfinge, ou você a decifra ou é devorado por ela. E ele vaticinava que eu seria devorado, como todos os outros. Mas eu, novamente, me dediquei com muita simplicidade e, quatro anos depois, eu era consagrado nacionalmente como uma pessoa que havia resolvido, naquele momento, os problemas e que havia colocado esse órgão novamente no caminho correto. E resolvi então ser candidato a deputado federal. Foi aí que eu comecei a ter contato com política pela primeira vez. E eu não fazia ideia de como se fazia política, de como se conseguiam votos. Lembro que cheguei à Prefeitura de Curitiba e perguntei ao prefeito Saul Raiz como podia ter apoio. E o Saul Raiz me disse “você é uma pessoa muito séria para entrar na carreira política, acho que deveria ficar onde você está”. Mas, perante minha insistência, ele disse “talvez eu possa indicar uma pessoa aqui para o ajudar, que é o Derosso, vereador, foi economista aqui na Prefeitura também, e, portanto, é seu colega”.
José Wille – Pai do atual presidente da Câmara Municipal?
Reinhold Stephanes – Pai do João Cláudio. E fui conversar com o Derosso, que se dispôs a me ajudar. E, por surpresa, eu acabei fazendo 89 mil votos.
José Wille – O que era um total muito difícil de obter.
Reinhold Stephanes – O que é uma votação dificílima. Na época, só fizeram mais votos do que eu o Arnaldo Busatto, que era um nome já consagrado no Paraná, e o ex-governador Paulo Pimentel. Foram os únicos que fizeram mais votos do que eu. O que mostra que a sociedade havia reconhecido o trabalho que eu tinha feito.
José Wille – Mas como isso chegava até o paranaense? Porque o senhor estava distante, em Brasília, e não tinha atividade política aqui no Paraná. De que forma o senhor acha que foi possível ter uma votação expressiva assim, na época?
Reinhold Stephanes – É, eu não tinha mais atividade nenhuma no Paraná. Eu não tinha mais nem residência no Paraná, porque eu estava há doze anos fora, praticamente. Mas, eu acho que, através da mídia, da imprensa…
José Wille – Reflexo do noticiário nacional no Paraná?
Reinhold Stephanes – Reflexo do noticiário nacional. Eu sei que todos me entendiam como uma pessoa capaz, séria e correta, e como um novo padrão de político. Considerado um novo padrão de político, acabei tendo então uma votação expressiva.
José Wille – O INPS, quando o senhor assumiu, em 1974, tinha uma situação curiosa, porque ele juntava duas áreas muito complicadas, todo o esquema de Saúde e também toda a Previdência Social. Depois, houve a separação, que aconteceu no seu período.
Reinhold Stephanes – Você juntava ali todas as atividades de pensões e aposentadorias e toda a atividade de assistência médica. Era um órgão muito grande, um gigante de órgão, que tinha 150 mil funcionários e 40 mil médicos em seus quadros. Era efetivamente uma organização muito grande, quase que inadministrável. Eu passei a administrar o INPS desta forma durante três anos, quando foi feita a separação da área de assistência médica, criando o INAMPS, e manteve-se o INPS só com a parte de pensões e aposentadorias. Eu passei a ser o primeiro presidente do INAMPS; aliás, eu fui o único não-médico que dirigiu a Saúde. A segunda vez que isso veio a acontecer foi agora, quando o Serra – que não é médico – foi nomeado ministro da Saúde. Foi uma sugestão, inclusive, que dei ao candidato Fernando Henrique Cardoso sobre a área de Saúde: “a melhor solução para a questão da Saúde é uma questão de administração, é uma questão gerencial, não é uma questão médica, é indicar para administrar a Saúde no Brasil uma pessoa que não seja médico”. Mas o então presidente já tinha como nome a ser escolhido o Adib Jatene, dizendo que ele era um grande administrador. Mas, depois de várias tentativas, acabou-se nomeando para o Ministério da Saúde, hoje, uma pessoa que não é médico.
José Wille – Então, a questão de Saúde no Brasil, como se diz, é mais gerencial do que médica?
Reinhold Stephanes – Ela é mais de política de saúde e gerencial. De administrar uma política de saúde, o que não necessariamente precisa ser feito por médico. Acho que não deve ser feito por médico.
José Wille – Ainda uma curiosidade sobre a sua nomeação para o INPS, em 1974, que era um cargo de grande importância e passava pelo SNI. Havia um veto ao seu nome pela sua atividade estudantil?
Reinhold Stephanes – Eu tive uma atividade estudantil relativamente intensa, principalmente no terceiro e no quarto anos, que foram exatamente os anos em que eu já trabalhava no estado na área de orçamento. Já tinha mais liberdade e mais condições. E era uma atividade muito intensa, uma atividade muito vinculada a protesto, muito vinculada à esquerda. Eu me formei em 1963 e a Revolução foi em 1964; então, a Revolução acabou catalogando e registrando todas as pessoas que tiveram uma intensa atividade estudantil no período anterior. Eu, evidentemente, tive problemas para ser nomeado para cargos públicos. E todas as pessoas que eram nomeadas para cargos públicos, naquela época, tinham que ter um “Nada consta” do Serviço Nacional de Informações. Então, a primeira vez que fui nomeado, o ministro Ivo Arzua fez uma carta pessoal, assumindo a responsabilidade sobre a minha pessoa. Mas, depois, à medida que eu era nomeado para outros cargos ou era mandado para uma representação no exterior – por exemplo, quando fui a Roma representando o Brasil – tinha que ter uma autorização especial. Só que essas autorizações especiais não limpavam meu nome, minha ficha. E, quando eu fui nomeado para o INPS, voltou novamente a questão “mas ele é uma pessoa que estava vinculada às esquerdas e o nome está vetado”. Mas, na ocasião, houve a interferência também do ministro Ney Braga; aí, designaram um coronel especificamente para examinar todo o meu passado. E verificaram que efetivamente eu tinha ideias, mas que eu não havia cometido nenhum crime que não merecesse a oportunidade de ser um bom gestor, um bom administrador. Então, naquele momento, foi quando eles limparam meu nome no SNI.
José Wille – O senhor estava em Brasília durante o governo Geisel, participando na área gerencial. Qual era sua visão do período Geisel, que foi quando começou a reabertura da política no Brasil?
Reinhold Stephanes – O Geisel foi uma pessoa muito conhecida nacionalmente, uma pessoa muito dura, muito firme em suas posições, mas que também tinha firmes convicções de que o Brasil teria que retomar o caminho da democracia. E ele se propôs a fazer uma abertura, lenta e gradual. E assumiu essa determinação com muita força, tanto que, na época, ele teve que demitir inclusive generais e comandantes do Exército que se opunham a sua política de abertura. O Geisel é uma pessoa que teve uma grande participação num momento importante do Brasil. A grande abertura do Brasil efetivamente se deve, da forma como ela aconteceu – tranquila, pacífica, sem maiores traumas – a esta estratégia traçada pelo presidente Geisel.
José Wille – Em 1978, o senhor foi eleito deputado federal, e logo a seguir convidado por Ney Braga para integrar o governo dele.
Reinhold Stephanes – Eu fui eleito e não cheguei a assumir a minha condição de deputado federal. Quer dizer, eu já comecei como secretário da Agricultura e me licenciei como deputado federal para exercer o cargo. Eis aí uma curiosidade: ninguém entendia como eu saía da área médica, do INAMPS, antes o INPS, e ia ser secretário da Agricultura. Não tinha ficado na memória que, no período de 1967 até 1974, eu havia trabalhado somente no Ministério da Agricultura, em atividade exclusivamente agrícola. E minha própria origem, de certa forma, era uma origem propriamente agrícola. Mas eu fui escolhido pelo Ney Braga, porque ele sabia dessa minha história na área da agricultura. Aí, fiquei quase quatro anos como secretário de Agricultura do estado do Paraná.
José Wille – De 1978 a 1982, no segundo governo Ney, que encerra a carreira eleitoral dele, quando ele perdeu em 1982 para José Richa, que ele próprio havia lançado – uma situação curiosa… Como o senhor encarou essa situação? Como foi o fim do chamado ciclo do “neysmo” no Paraná, em 1982? Como o ex-governador recebeu isso, pois ele imaginava que podia facilmente eleger o sucessor, tanto assim que trouxe Saul Raiz, que estava distante do Paraná para elegê-lo?
Reinhold Stephanes – Eu só vim a conhecer pessoalmente o Ney Braga e suas atividades quase dezoito anos depois que ele tinha sido eleito pela primeira vez governador do estado. Ou seja, quando ele foi governador pela primeira vez, eu era estudante. Mas eu tenho comigo que o Ney é a pessoa mais marcante na história política e econômica do estado do Paraná. Ele fez história no Paraná. As informações que a gente tem é de que o primeiro governo dele foi um governo revolucionário, de mudança, de atitude, de construção e de uma nova visão do estado do Paraná. E o Ney começou a se considerar uma pessoa quase que imbatível, porque, daqui do Paraná, o Ney foi ser ministro da Agricultura e depois ministro da Educação. E quase veio a ser presidente da República. Só não foi por um acidente de percurso, talvez seja o paranaense que chegou mais perto de ser presidente da República. E ele efetivamente era uma pessoa carismática, uma grande liderança e havia criado e desenvolvido uma série de nomes expressivos do Paraná, tanto em nível federal como dentro do próprio Paraná. Ou seja, os grandes quadros do Paraná, de uma forma ou outra, eram vinculados ao Ney Braga ou tinham algum contato com a história de Ney Braga. Então, quando chegou em 1982, ele se considerava imbatível. mas teve uma grande surpresa, quando perdeu a eleição naquele momento para o Richa, uma pessoa que tinha iniciado a sua carreira política com o próprio Ney Braga.
José Wille – O senhor estava lá e acompanhou o final, as notícias da derrota. Ele foi até a televisão e falou que aceitava aquele resultado. Como foi isso para Ney Braga?
Reinhold Stephanes – Para ele, foi um grande choque, porque ele não esperava aquilo. Efetivamente, o Ney achava que continuaria elegendo quem ele quisesse. Mas ele mantinha essa sua posição pela sua história, pelos seus anos de trabalho, pois ele achava que tinha essa condição. E era uma pessoa extremamente bem-intencionada. Quando ele indicou como candidato o Saul Raiz, ele tinha convicção de que estava indicando o melhor nome para governar.
José Wille – O senhor, como deputado federal em 1984, acompanhou a divisão do PDS. Havia a formação do PDS, que vinha da antiga Arena, mas que acabou se dividindo e formando o PFL. O senhor participou da formação deste novo partido. O que levou, principalmente, na sua visão, à criação desta nova sigla?
Reinhold Stephanes – Era um grupo de deputados. Do Paraná, participava muito intensamente Oscar Alves, que era genro do Ney Braga e que também era deputado federal. Participava também o deputado Fayet, e tinha mais uns 40 deputados do restante do Brasil, que tentavam formar uma Frente Liberal, ou seja, um novo partido dissidente do então PDS, para apoiar a eleição do Tancredo Neves. Eu participei de todas essas reuniões, fui um dos fundadores, assinei a primeira ata de criação da Frente Liberal e é um partido em que me mantive até hoje. Ou seja, eu nunca mudei de partido, sempre me mantive neste partido.
José Wille – No PFL que se formava, havia um descontentamento pela forma como o presidente João Figueiredo estava encaminhando o processo de sucessão?
Reinhold Stephanes – Sim. O presidente Figueiredo inicialmente encaminhou o processo da sucessão para um dos seus ministros, o ministro dos Transportes, Mário Andreazza. Foi quando Paulo Maluf entrou e disse “eu também quero ser candidato”. E o Paulo Maluf teve uma capacidade de convencimento maior dos membros do partido e acabou sendo o indicado. Quer dizer, se o indicado tivesse sido o Mário Andreazza naquela convenção do partido, é possível que a história do Brasil fosse outra. Mas, como o candidato indicado pelo partido acabou sendo o Paulo Maluf, houve uma reação de um grupo de deputados do então PDS, criando a Frente Liberal dissidente para apoiar o Tancredo Neves.
José Wille – Como deputado,como acompanhou a eleição de Tancredo Neves, que morreu logo em seguida, assumindo Sarney?
Reinhold Stephanes – Eu depois me retirei um pouco desse processo, porque foi uma surpresa para mim, quando, naquele momento, José Sarney acabou entrando na Frente Liberal, que se formava, sendo indicado para ser o vice do presidente da República. Foi então quando mais ou menos eu me afastei. Em seguida, veio a eleição de presidente e a eleição de deputado federal novamente. E eu acabei não me reelegendo deputado federal, naquele momento do Plano Cruzado, quando o PMDB elegeu, praticamente, todos os deputados federais brasileiros.
José Wille – Utilizando até o próprio Plano Cruzado, que foi esticado artificialmente para possibilitar essa eleição mais fácil para o PMDB.
Reinhold Stephanes – Exatamente! Foi aquilo chamado de Estelionato do Plano Cruzado. Naquele momento, o Paraná, que tinha 30 deputados federais, elegeu 25 do PMDB, e o PFL, que tinha 15, foi reduzido a quatro. Então, naquele momento, não consegui me eleger. Afastei-me durante um período de qualquer atividade política, fui trabalhar na iniciativa privada em planos de saúde em São Paulo, onde fiquei por quatro anos, e voltei a me recandidatar novamente em 1990. Aí me elegeram e, dois anos depois, fui convidado novamente para administrar a Previdência Social.
José Wille – Como foi esse convite no governo Collor para integrar novamente o Ministério da Previdência?
Reinhold Stephanes – Novamente a Previdência Social estava com problemas muito sérios, com CPI de corrupção, e a falência do sistema previdenciário era quase eminente. E o ministro da Justiça, Jarbas Passarinho, me relatou mais tarde – inclusive está em um livro escrito por ele – que disse ao presidente Collor que talvez a melhor opção para cuidar destes problemas seria eu, que já havia colocado a Previdência em ordem no período do governo Geisel. E o presidente, examinando meu currículo, mandou o ministro me consultar para ver se eu aceitaria o cargo.
José Wille – Qual é a sua análise de Fernando Collor como presidente?
Reinhold Stephanes – Olha, sob o meu ponto de vista como ministro, não tenho nenhum reparo a fazer. Ele sempre foi correto, sempre determinou o que ele desejava, qual a linha a seguir. Não interferia nas atividades, não indicava ninguém, apenas cobrava as metas que estabelecia e dava todo o apoio para que se pudesse realizá-las. Em nenhum momento eu vi, por parte dele, qualquer condução desonesta ou errada. Para mim, ele foi um presidente que se comportou corretamente. Depois, surgiram problemas, de membros da equipe dele ou das pessoas mais ligadas a ele. Mas eu não tive nenhum comprometimento com as atividades outras e mesmo políticas dele, tanto que, em seguida fui convidado por um governo totalmente diferente, o do Fernando Henrique Cardoso, para ser ministro. Então, na minha visão simplesmente técnica e de convivência, ele era um homem correto, com boa intenção e que fez um bom governo.
José Wille – Dentro da sua área de atuação, o senhor não chegou a sentir a presença do esquema que se atribuía ao governo – a ligação entre PC Farias e Collor?
Reinhold Stephanes – Não, absolutamente, em nenhum momento eu consegui observar nada disso. Porque, depois, o resto do que aconteceu, evidentemente, a imprensa noticiou.
José Wille – O que significou, na sua visão, o afastamento dele?
Reinhold Stephanes – Olha, eu acho que ele foi uma peça importante na história do Brasil. Porque, naquela forma de agir, que era uma forma muito agressiva, uma forma de romper padrões, romper situações, ele introduziu uma nova situação no Brasil. Todo esse programa que hoje se trata com tanta facilidade, a privatização, foi ele quem teve a coragem de romper e iniciá-lo. Toda a política cambial que se pratica hoje no Brasil, as próprias reservas que nós temos, isso tudo se iniciou no governo dele. A abertura nossa para o mercado internacional, antevendo essa globalização, que já estava em curso, ele soube se adaptar com muita rapidez a isso. Ele teve um papel extremamente importante no Brasil, nessa questão de combate à corrupção, e na qual ele foi pego como exemplo. Isso também foi bom para o Brasil. Nós passamos a nos preocupar muito mais com essas questões também. Acho que ele teve um papel importante, cumpriu com a sua missão e agora o Brasil continua a ir para frente.
José Wille – A seguir, como deputado, o senhor participou da comissão que começou com o trabalho chamado na época de Plano de Estabilização, que veio a ser o Real. O senhor teve participação efetiva nesse plano?
Reinhold Stephanes – Na própria Câmara eu sempre tive um papel menos político, mais técnico, quer dizer, eu nunca fui líder nem vice-líder de partido, mas exercia as atividades mais técnicas, como, por exemplo, eu fui o primeiro relator do Código de Marcas e Patentes, que são atividades muito complexas, muito difíceis. Eu fui presidente das mais importantes comissões da Câmara. Fui presidente da Comissão de Economia, presidente da Comissão de Finanças e Interpretação, presidente da Comissão de Seguridade Social e também presidente da comissão que analisava o plano da estabilização econômica, que depois se transformou no Plano Real. Quer dizer, naquele momento, em 1994, quando ninguém acreditava nisso, durante o governo Itamar, quando o governo elaborou um plano e precisava da legislação para ampará-lo e encaminhá-lo ao Congresso – e um Congresso até muito cético inicialmente. Basicamente, eu me recordo que os deputados que o defendiam mais veementemente na comissão eram eu e o Zé Aníbal – que depois virou líder do PSDB na Câmara, antes do Aécio Neves, que é o líder atual. Nós é que nos dedicávamos muito à defesa do Plano. E o Plano tomou corpo, foi aprovado na comissão, foi aprovado na Câmara, e hoje é um plano consagrado.
José Wille – Depois, com a eleição de Fernando Henrique, o senhor voltou a ser convidado e, por quase todo o período do governo, ficou respondendo pela Previdência. O senhor acha que foi possível pelo menos chegar perto do objetivo que tinha para a Previdência?
Reinhold Stephanes – Eram missões diferentes. Quer dizer, claro, uma vez o Fernando Henrique eleito, imediatamente ou 15 dias depois, eu já sabia que seria ministro do governo dele, da Previdência Social. Mas, enquanto a minha missão, na primeira vez que eu dirigi o INPS, INAMPS, eram funções mais gerenciais, em 1992, quando exerci o cargo, procurei também, através de um bom gerenciamento, recuperar a Previdência Social. Já em 1995, o Plano previa continuar a melhoria do gerenciamento, ou seja, nós sabíamos que podíamos arrecadar melhor, combater melhor as fraudes, diminuir recursos operacionais, melhorar a qualidade dos serviços que estávamos prestando, mas que isso não era mais suficiente, numa visão de longo prazo. Nós tínhamos também que reformar o sistema previdenciário brasileiro, que tinha, basicamente, duas razões para ser reformado. Uma das razões era que começava a haver o envelhecimento da população, ou seja, nós estávamos tendo cada vez mais pessoas idosas, mais pessoas aposentadas vivendo mais tempo, e não estávamos gerando novos empregos na quantidade suficiente para que as pessoas contribuíssem, no sentido de pagar esses aposentados. Então, nós tínhamos que fazer um ajuste, visando um crescimento futuro, da mesma forma que todos os outros países do mundo fizeram, como aqui do lado a Argentina fez, o Chile fez, Uruguai, Peru, Colômbia, Bolívia… E tínhamos outra razão: o sistema previdenciário brasileiro tinha sido construído através de uma centena de regimes e critérios, porque cada câmara de vereadores ou assembleias legislativas de estado podia criar critérios de aposentadoria; então, acabávamos tendo um sistema muito injusto. Havia muitas pessoas trabalhando muito, contribuindo muito e se aposentando tarde por um lado e, por outro, pessoas se aposentando cedo demais, com 40 e poucos anos, ganhando até 5, 10, 20 e até 32 mil reais por mês. O que evidentemente era uma distorção muito grande. Então, nós tínhamos que corrigir o sistema nas suas falhas de construção, para torná-lo mais justo, menos desigual, e tínhamos que prepará-lo também para o futuro, por causa do envelhecimento da pirâmide populacional.
José Wille – E dentro do que o senhor esperava, foi possível resolver a maior parte destes problemas?
Reinhold Stephanes – A gente avançou bastante. O nível de fraudes hoje é muito pequeno, os sistemas que foram criados neste período evitam quase que totalmente a existência de fraudes. Porque as fraudes, de que hoje tanto se falam, são fraudes que aconteceram há, cinco, seis, oito, dez anos – o próprio caso da Georgina, que aconteceu há oito anos. Então, nós tínhamos, por um lado, que recuperar fraudes; por outro lado, criar um sistema que impedisse as fraudes. E isso foi atingido. Para se ter uma ideia, no estado do Paraná hoje, a média de tempo entre o momento que a pessoa entra com o requerimento e pega sua aposentadoria é de doze dias. É claro que tem pessoas que levam um, dois e até três meses, quando a documentação não está em dia ou quando é duvidosa. Mas, se você hoje for a um guichê da Previdência aqui e todos os seus documentos estiverem em ordem, há chance de você conseguir uma aposentadoria online em duas ou três horas. Você tem essa possibilidade. Então, a Previdência avançou muito nessa parte gerencial, nessa parte de organização, na parte de informática. Na reforma, nós caminhamos muito no processo de discussão e de debate. Eu acho que a aprovação total dessa reforma – faltam ainda três itens de mais de cem itens que já foram aprovados – deve acontecer, na minha visão, no início da próxima legislatura. Ela, em seguida, já está em condições de receber novos ajustes. Porque o assunto tem sido discutido, debatido e existe a necessidade de, depois, realizarem-se alguns ajustes.
José Wille – A cada vez que o senhor fazia a defesa, nesse período, diante do ministério, das mudanças da aposentadoria, sempre se levantava o seu caso específico, pois o senhor teria se aposentado precocemente.
Reinhold Stephanes – Eu fui uma das pessoas que se aposentou cedo, e, igual a mim, temos mais 3 milhões de pessoas que se aposentaram no mesmo tipo de legislação, nos mesmos critérios e na mesma idade. Agora, o que eu tenho colocado é que não cabe discutir a minha situação individual, ou a situação do Lula ou do Brizola, que se aposentaram com menos idade do que eu, ou de tantos outros nomes importantes na sociedade brasileira, porque nós temos que discutir o futuro do sistema previdenciário brasileiro. Eu fui aposentado numa legislação que foi elaborada há 40 ou 50 anos, uma legislação que não pode mais vigorar hoje, ou seja, a nossa realidade não suporta mais que as pessoas se aposentem antes dos 60 anos. Não existem recursos para financiar isto, porque a própria sociedade tem que financiar isso. Agora, uma questão que nunca foi colocada corretamente: eu me aposentei com 34 anos e seis meses de tempo de serviço, e claro que aí eu comecei a contar desde o tempo em que comecei a trabalhar – 14 anos – e tinha documentos comprovando isso. Portanto, é uma aposentadoria rigorosamente correta. E com tempo de serviço para se aposentar, embora a idade fosse precoce.
José Wille – Em relação à pouca presença paranaense em Brasília, o senhor foi um dos poucos nomes a aparecer no cenário nacional. É muito raro esse aparecimento de nomes paranaenses. Por quê? Existe a autofagia, ou pelo menos uma indiferença aqui com os próprios paranaenses?
Reinhold Stephanes – É muito difícil explicar isso. Eu até traduzo isso num simples exemplo, quando um ministro assumiu a Previdência Social e foi tomar posse, estavam presentes todas as pessoas importantes da Bahia – desde o Poder Judiciário, o Poder Legislativo, o Poder Administrativo, prefeitos, governadores, ex-governadores, deputados, senadores… Enfim, todos estavam presentes na posse. Nas minhas duas posses de ministro, não teve nenhuma autoridade paranaense, nem governador do Paraná… Então, quer dizer, o Paraná se mostra um pouco alheio a isso, indiferente a isso. É muito importante quando um estado tem nomes, tem valores, que ele promova esses valores e que os reconheça. Quer dizer, chegar a ministro como eu cheguei, por acaso e sem nenhum apoio da base política ou da base sociopolítica do estado, é um pouco difícil. O Paraná tem que mudar essa sua visão e se unir um pouco mais em torno de nomes e pessoas que podem representá-lo bem, para ajudar o país. E essas pessoas também, por sua vez, podem ajudar o estado, com essa representação em nível nacional.
José Wille – Falando ainda do Paraná, o senhor apoiou a candidatura à eleição, em 1994, e depois acompanhou o governo de Jaime Lerner, mesmo a distância. Como analisa a mudança que pode representar para o Paraná a criação do polo automobilístico com a vinda das montadoras?
Reinhold Stephanes – Olha, eu acho que o Paraná é um dos estados hoje mais bem estruturado no país, em termos de visão estratégica futura. Porque é um estado que tem todas as condições de infraestrutura, quer dizer, soube construir a sua infraestrutura. O seu governo soube vender esta ideia em termos de uma estratégia futura, de criar uma infraestrutura capaz. Além do Paraná estar bem situado geograficamente para o Mercosul, tem uma qualidade de vida boa e tem uma mão-de-obra muito boa também. Então, está preparado hoje para o desenvolvimento. O Paraná é o estado que tem melhores opções de investimentos entre todos os estados brasileiros. E é isso que eu admiro, e sempre tem o meu apoio e o meu aplauso a forma que o Jaime Lerner tem de conduzir seu governo. Ele não perde tempo em atacar o varejo, ele realmente tem a visão estratégica maior para preparar o estado. Ele sabe que o restante vai ser consequência. É uma linha correta, politicamente difícil de entender, porque as pessoas e o próprio político gostam das coisas imediatas. Mas a política que ele vem conduzindo é correta, tanto que está atraindo a confiança de investidores de vários países, que estão vindo para o Paraná, colocando suas empresas aqui e gerando empregos, gerando produção.
José Wille – O senhor foi integrante do governo durante todo o tempo de mandato de Fernando Henrique Cardoso. Que avaliação o senhor tem do plano federal, no momento de globalização, de abertura do país, um momento em que se teve uma estabilidade econômica, apesar dos problemas, como o desemprego?
Reinhold Stephanes – Eu acho que é um governo sério. Nós não tivemos nenhum problema maior de corrupção ou de qualquer discussão maior neste governo. É um governo sério, composto por ministros sérios, com equipes sérias, que têm um objetivo traçado e seguem rigorosamente esse objetivo. A equipe econômica também é uma equipe muito boa, desde a equipe que mantém o Banco Central, o Ministério da Fazenda e o Ministério do Planejamento. Eles têm direção, sabem para onde devem caminhar e não se arredam em nenhum momento deste caminho que eles traçaram, ou seja, a equipe é muito coerente. Ninguém pode dizer que não sabe qual é a direção que o governo tem. O governo tem uma direção, a gente até pode discordar disso, mas é claro que o Brasil tem problemas difíceis, são complexos. Nós somos uma sociedade com 160 milhões de habitantes, um país com uma população muito grande, com diversidades muito grandes, com problemas que foram se acumulando durante 10, 20, 30 ou 50 anos, e que tudo isso tem que ser resolvido dentro de um processo de médio e longo prazo. Você não consegue resolver isso com muita velocidade. É muito fácil você chegar com um discurso – o Plano Real é o culpado pelo desemprego. Não é verdade, quem fala isso não entende! O discurso tem sido muito fácil, atacando aqui ou acolá, mas há muitos problemas. Não há dúvida de que os problemas sejam enormes e são muitos. Agora, não se pode atribuir todos os problemas a um homem, ao presidente, que não quer fazer, que não tem competência, que é incapaz… Não, o presidente tem uma linha de condução muito correta e, na minha visão, muito adequada às necessidades do país. O Brasil está no caminho certo, isso que é importante. Nós sabemos que estamos caminhando para frente.
José Wille – O senhor tem uma história muito interessante e pouco comum, de uma pessoa que praticamente começou sozinha – criado num internato – e que construiu uma carreira, chegando aos postos mais importantes do país. O que, principalmente com todas essas adversidades, o senhor acha que explica ter chegado até o ponto em que chegou?
Reinhold Stephanes – Em primeiro lugar, o Brasil mostra que é um país de oportunidades – é assim desde que os nossos antepassados chegaram. Eu li uma vez um livro que falava sobre os primeiros imigrantes que chegaram a Rio Negro: na terceira ou quarta geração, nós tínhamos ali generais; nós tivemos um governador de estado – de outro estado, o Espírito Santo… Enfim, tivemos médicos, engenheiros, profissionais liberais… Pessoas que chegaram ao Brasil, que emigraram lá de outros países e encontraram no país todas as condições para se desenvolverem. Eu sou um produto das oportunidades que este país oferecia e não diria que hoje essas oportunidades são tão fáceis quanto há 30, 40 anos. Então, havia oportunidades, e as oportunidades, no meu caso, efetivamente apareceram. É verdade que, talvez, eu estivesse preparado em um determinado momento, mas as próprias oportunidades é que me davam condições para me preparar para as oportunidades seguintes.
José Wille – Mas que exigiu bastante dedicação, valorização e estudo, principalmente…
Reinhold Stephanes – Claro, claro, evidentemente! Eu tive que me dedicar muito, eu tive que estudar muito. Eu fui uma pessoa que trabalhava 14, 15 horas por dia e, às vezes também, amanhecia estudando. Então, claro que há necessidade de dedicação. Mas eu costumo dizer que há pessoas com muita capacidade, com muito potencial, com muitas condições de desenvolvimento, mas as oportunidades, às vezes, não se oferecem a essas pessoas para que possam se desenvolver. Sob este aspecto, eu até diria – se a gente acreditar nisso – que fui uma pessoa de muita sorte, ou seja, as oportunidades sempre se apresentaram nos momentos exatos.