Brizola discursava no rádio em 1961 na “Cadeia da Legalidade”
Através da chamada “cadeia da legalidade”, formada por dezenas de emissoras de rádio, o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, convocava os brasileiros a lutar pela legalidade e defender a Constituição em 1961. E assim garantir a posse de João Goulart como presidente.
Era uma resposta aos setores militares que tentavam impedir a posse do vice-presidente João Goulart na Presidência da República, depois que Jânio Quadros renunciou.
O texto abaixo, do site Memorial da Democracia, explica este fato.
A atitude de Brizola com a “cadeia da legalidade” dividiria as Forças Armadas e teria a adesão do poderoso 3º Exército, sediado no Sul e comandado pelo general Machado Lopes.
Jânio Quadros renunciara à Presidência da República três dias antes, mas João Goulart estava em missão oficial na China; por isso o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumira interinamente o cargo até o seu regresso.
Dois dias depois, porém, Mazzilli informara ao Congresso que os ministros militares não aceitariam a posse de João Goulart na Presidência: eles exigiam que o Legislativo declarasse o impedimento de Jango e ameaçavam prendê-lo assim que ele pusesse os pés no Brasil.
A tentativa de forçar um “golpe institucional”, pressionando o Congresso a impedir a posse de Goulart, todavia, falharia. Não teria apoio parlamentar nem mesmo da UDN, exceto por Carlos Lacerda. Na imprensa, só o jornal “O Estado de S. Paulo” ficaria do lado dos golpistas.
O veto a Jango também não seria consensual na área militar. No Rio, o marechal Henrique Teixeira Lott divulgaria manifesto em defesa da ordem institucional — e acabaria preso.
O golpe encontraria fortíssima oposição nas ruas, a partir da população civil do Rio Grande do Sul, mobilizada por Leonel Brizola — líder da ala esquerda do PTB — e obrigaria os ministros militares a recuar. Sua “cadeia da legalidade” ficaria no ar ininterruptamente, retransmitida para outras 150 emissoras do país, incitando à resistência e promovendo mobilizações pela democracia em vários estados.
O próprio governador pôs a Brigada Militar de prontidão, arregimentou e armou voluntários e até os funcionários do palácio do governo.
Os ministros militares ainda ordenariam o bombardeio ao Piratini, mas sargentos da base aérea de Canoas esvaziaram pneus e desarmaram os aviões que seriam usados no ataque.
Quando o comandante do 3º Exército, José Machado Lopes, entrou no palácio do governo com seu estado-maior, foi para se incorporar à resistência. Com a adesão do contingente da maior força militar do país, Brizola passaria a ter ao seu lado, na defesa de Jango, 40 mil soldados do Exército, 13 mil homens da Brigada Militar e 30 mil voluntários armados. E as transmissões radiofônicas ainda mantinham nas ruas uma multidão mobilizada.
A resistência gaúcha receberia adesões pelo país afora. O governador de Goiás, Mauro Borges, arregimentou voluntários para formar um ”exército da legalidade”, e mandou avisar a Jango que essas forças garantiriam sua chegada a Brasília, por terra, a partir de Goiânia, se assim fosse preciso.
A União Nacional dos Estudantes (UNE) transferiria sua sede para Porto Alegre, e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se manifestaria firmemente contra o golpe.
O movimento pela legalidade liderado por Brizola derrotaria a estratégia da “junta governativa” informal formada pelos ministros militares — Odilo Denys (da Guerra), Sílvio Heck (Marinha) e Gabriel Grün Moss (Aeronáutica). Se estes quisessem se opor à posse de Jango, teriam que medir forças com o 3º Exército e enfrentar civis dispostos a resistir. O Congresso Nacional acabaria propondo, então, uma alternativa aos golpistas: Jango toma posse, mas num regime parlamentarista.
O vice-presidente faria um longo trajeto de volta, à espera de que a situação se definisse: da China a Paris; depois Nova York, Cidade do Panamá, Lima, Buenos Aires e, finalmente, Montevidéu, onde o deputado Tancredo Neves (PSD) o esperaria a fim de convencê-lo aceitar a solução parlamentarista.
Na noite de 1º de setembro, Jango tomaria o rumo de Porto Alegre para informar a um inconformado Brizola que havia decidido aceitar a solução parlamentarista.
Horas depois, já na madrugada do dia 2, o Congresso votaria a emenda que mudaria o sistema de governo.
No percurso de Porto Alegre a Brasília, Goulart ainda estaria sujeito a ameaças da Força Aérea Brasileira (FAB). Existia um plano para abater seu avião em pleno voo, mas os sargentos haviam sabotado os caças da base aérea de Canoas que fariam o serviço. Por outro lado, em Brasília, oficiais da FAB encheram de tonéis a pista da base aérea, visando impedir o pouso do avião que traria o vice-presidente, porém o chefe da Casa Militar, Ernesto Geisel, reagiu: “Já que os senhores [ministros militares] resolveram dar posse, ele toma posse” — e mandou liberar a pista.