Memória Política

A história política do ex-governador José Richa

A carreira política de José Richa, já falecido, começou em 1962, quando se elegeu deputado federal. Após o Golpe Militar de 1964,  filiou-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), tendo sido um de seus fundadores. Nas eleições de 1982, Richa foi eleito governador do Paraná. Em 1986, afastou-se do governo paranaense para candidatar-se a uma vaga no Senado Federal. Eleito pela segunda vez, deixou o PMDB, em 1988, para ser um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Entrevista da coleção de livros “Memória Paranaense” com José Richa, gravada em maio de 1998.

José Wille –  Vamos lembrar de seus pais, que vieram para o Brasil.

José Richa – Sempre imaginei que meu pai fosse do Líbano e minha mãe, da Síria. Minha mãe morreu muito jovem e tive pouca convivência com ela. Mas, recentemente, estive no Líbano e os irmãos do meu pai, com quem me encontrei lá, disseram que minha mãe era também do Líbano, do sul. Meus pais nasceram lá e vieram pequenos para o estado do Rio de Janeiro, na casa de uns parentes, onde se conheceram e casaram-se. Nascemos eu e meu irmão em 1934. E, em 1939, minha família veio para o Paraná.

José Wille – Veio para o interior do Paraná, para se estabelecer como comerciante?

José Richa – Isto. Minha família foi para o interior do município de Joaquim Távora. Entre Joaquim Távora e Carlópolis, existia um pequeno povoado – que ainda existe – São Roque do Pinhal, onde me criei dos 5 até os 19 anos de idade; foram 14 anos lá naquele vilarejo.

José Wille – Sua infância e sua juventude foram passadas na área rural…

José Richa – Estudei lá, entrei muito tarde na escola, porque não havia escola quando minha família foi para lá. A minha família mesmo liderou um movimento com os demais habitantes do povoado para obrigar a prefeitura a criar uma escolinha, então uma escola isolada, pertencente ao grupo escolar de Joaquim Távora, onde a gente só podia estudar até o terceiro ano. Aí, o quarto ano eu fui fazer na cidade de Joaquim Távora; me formei no primário, e fui, então, estudar em Jacarezinho, em colégio interno, graças a um imenso sacrifício dos meus pais.

José Wille – Eles davam valor e incentivavam o estudo?

José Richa – Como davam valor! Valor extraordinário! A minha família, emigrante, acabou despertando aquele vilarejo para a criação da escola e trabalharam desesperadamente para conseguir que eu estudasse. Então, fiquei interno no colégio Cristo Rei, em Jacarezinho, onde fiz 4 anos de ginásio e 2 de científico. Vim para Curitiba fazer o terceiro ano do científico no Colégio Estadual do Paraná e, simultaneamente, o cursinho pré-vestibular. No ano seguinte, passei na Universidade e cursei Odontologia.

José Wille – E com a dificuldade de seu pai, trabalhava já como jornalista?

José Richa – Exato. A minha mãe ficou doente, o meu pai tinha poucos recursos e gastou o que tinha e o que não tinha com a doença dela nesse período. Eu, que estava em Curitiba e não sabia de nada, ainda recebia uma pequena mesada dele, só para me dedicar aos estudos. Acabei tendo de trabalhar para terminar o meu curso. Fui para o “Diário do Paraná”, recém-criado aqui no Paraná e que era um dos órgãos do Diários Associados. Graças a isso, consegui me formar. O diretor na época era Adherbal Stresser, uma figura muito respeitada nos meios jornalísticos do Paraná. O secretário era o Ayrton Batista, que, até há bem pouco tempo, era o presidente da Associação dos Jornalistas e havia sido professor – deve estar aposentado já. E o Luiz Geraldo Mazza, que era do mesmo jeito que é hoje, foi meu chefe de reportagem, uma grande figura, inteligente, perspicaz, um grande jornalista. E foi graças a ele que consegui me manter no emprego, porque eu não entendia bulhufas daquilo, pois vinha da zona rural para Curitiba. Para poder terminar o meu curso superior, eu precisei trabalhar e, como tinha aula o dia inteiro, nos mais variados horários, não conseguia arrumar emprego fixo. O jornal me possibilitou isso, porque, nos intervalos de aula, eu ia à caça de notícias já com a pauta previamente feita pelo Mazza.

José Wille – O interesse pela política estudantil surgiu nessa mesma época?

José Richa – Uns colegas do curso de Odontologia brigavam pela emancipação, pois nós tínhamos uma faculdade de Medicina com os cursos de Medicina, Odontologia e Farmácia. E inventavam os mais variados métodos de luta para que isso acontecesse. Um deles foi lutar na política estadual, ganhar posições, para facilitar a emancipação da nossa faculdade. Quando trabalhava no “Diário do Paraná”, eles apareceram com a proposta de me candidatar a secretário da União Paranaense dos Estudantes. Aí, já com a responsabilidade de dirigir a entidade, nós tínhamos os congressos nacionais dos estudantes, as reuniões dos conselhos da UNE… Ao pedir favores à Prefeitura, ao governo do estado, conheci o Ney e acabamos nos aproximando e fizemos amizade. Ele representou, naquela época, a renovação da política do Paraná e, então, nós estudantes resolvemos segui-lo. Eu ainda estava no curso de Odontologia, vencia meu mandato na UPE, em 1959, e ele me convidou para trabalhar com ele. Trabalhava durante o dia como estagiário no departamento médico da Prefeitura e, nas horas vagas, final de semana, à noite, ajudava a montar a campanha dele para deputado federal, em 1958. A campanha era para deputado em 1958 e para governador em 1960. Então, ele se elegeu em 1960, foi para o governo e eu fui para o gabinete dele, como oficial de gabinete, mas, na verdade, exercia um cargo criado posteriormente – subchefe da Casa Civil. A partir daí, dentro do governo, eu era o responsável pelo atendimento ao interior e me lançaram como candidato a deputado federal em 1962, à minha revelia. Só aceitei depois que já tinha cartaz, já estavam fazendo a campanha há algum tempo. E fui o quarto mais votado do estado.

José Wille – O senhor trabalhou diretamente com o Ney Braga no Palácio Iguaçu, desse primeiro governo de 1960 em diante. O que recorda que tenha sido importante para o Paraná?

José Richa – Olha, o primeiro governo do Ney foi uma verdadeira revolução dos métodos administrativos, no relacionamento do governo com a sociedade. Foi a primeira vez que foi feito um planejamento e o Ney propiciou condições para uma renovação na vida política, pois aí surgiram os nomes de estudantes e jovens que, mais tarde, viriam a ser dirigentes. Além de tudo, foi um governo muito operoso, que fez história, tanto é que ele saiu daqui muito prestigiado e, por pouco, não foi presidente da República.

José Wille – O senhor estava na chefia de gabinete da Secretaria do Interior. Foi aí que surgiu a oportunidade de aproximação com regiões do Paraná que lhe forneceram a base da sua candidatura a deputado?

José Richa – Comecei no gabinete do Ney e fiquei um ano e pouco. Depois, houve uma reestruturação no governo. O Affonso foi para a Secretaria de Interior e Justiça e lá ficou centralizada a ação política do governo, e eu fui convidado para ser chefe do gabinete desta secretaria, que fazia política, cuidava da polícia, do Ministério Público. Fui candidato a deputado federal com 27 anos, o mais jovem deputado federal até então da história do estado do Paraná.

José Wille – Foi nesses contatos com as prefeituras do interior, através da secretaria, que o senhor pôde formar a sua base, fazer sua articulação para deputado estadual? O Ney apoiou essa postulação?

José Richa – Sim. O Ney incentivou muito. Na época da campanha no governo anterior, o Paraná tinha 110 municípios e foram criados 62. Criar município para ganhar voto fazia parte do esquema de campanha de 1960. Quando ganhamos a eleição, fui para o governo e coube a mim a tarefa de coordenar a implantação desses municípios. Esta foi depois a minha grande base, o fato de eu ter ido instalar o município, ter conseguido a primeira verba para comprar material de expediente, lápis, papel, alugar um cômodo para a sede da prefeitura e tal. Nomeados os interventores e marcada a eleição, em 1961, ocorreu a eleição geral para os 62 municípios e eu fui coordená-la no Paraná inteiro, em nome do PDC, junto com a turma da UDN. Então, a gente ia para o interior e nossa base maior, porque lá se concentrava o maior número de municípios, foi Cruzeiro do Oeste e Campo Mourão, de onde se tinham desmembrado 15 outros municípios. E, ao ajudar esses novos prefeitos na sua implantação, sentiram tanto apoio de minha parte, do governo do meu setor, que acabaram solicitando ao governador que eu fosse candidato a deputado federal. Eu não tinha intenção de fazer política, mas já tinha propaganda, já tinha cartaz, postes pintados… Um dia, eu acordei candidato e, de maneira irreversível, fui eleito o quarto mais votado do estado. Já a eleição do Ney foi um fenômeno, porque o pessoal queria a renovação. Os novos deputados eleitos em 1962 foram uma renovação total da bancada federal do Paraná – mais de 80%, uma coisa assim. Foi uma renovação brutal, até por que o Ney Braga estimulava isto. Então, o governo do Ney foi muito importante para a história do Paraná, foi o marco que assinalou a mudança de estrutura do Paraná.

José Wille – Seu primeiro partido foi o PDC. A princípio, desde estudante, a sua opção não era por um partido de esquerda, mas, mais tarde, o senhor foi para a oposição, através do MDB.

José Richa – A minha vida política estudantil foi feita na direita. Eu nem sabia direito como fazer política e a chapa em que me registraram era de oposição ao poder na UPE, na ocasião. A turma que estava no poder era de esquerda, então a chapa de oposição tinha obrigatoriamente de ser de direita, foi aí que eu comecei. Mas isso sempre me incomodou, pois, na época, a esquerda era ligada a Luiz Carlos Prestes e a direita, ligada a Plínio Salgado, que era integralista. Isso me incomodava, pois eu não queria ser de nenhum dos dois lados. Foi quando surgiu a oportunidade do PDC, que vinha de uma reestruturação, que começou em São Paulo, com o professor Queiroz Filho, Franco Montoro, Paulo de Tarso…  – uma turma desse tipo de professores e estudantes universitários. Veio para o Paraná esse vento renovador com a eleição do Ney.  E um grupo de professores e estudantes da universidade foi encarregado da reestruturação do PDC no Paraná. O professor Joaquim de Matos Barretos, professor de histologia na faculdade de Medicina, foi presidente desse novo PDC; Affonso Camargo foi secretário geral; Jucundino Furtado, tesoureiro do partido; e eu entrei como secretário da Juventude. O PDC tinha como lema nem direita nem esquerda, mas a terceira força e tal, aquela coisa… A partir daí, quando extinguiram os partidos, a Revolução era de direita e eu acabei indo para a esquerda, porque simplesmente sou um democrata. Eu não concordava com a ditadura. Fui oposição ao governo do Jango, mas também não era a favor do Golpe. Quando foi dado o Golpe, passei para a oposição. O Montoro foi o primeiro a subscrever a lista de um partido de oposição, que até então nem nome tinha, e eu fui o segundo a subscrever a lista do futuro partido de oposição, que acabou se chamando MDB.

José Wille – Como foi sua chegada a Brasília como deputado federal, em um período bastante conturbado –  Jânio Quadros, João Goulart…?

José Richa – Foi um começo difícil. Eu que tinha apenas uma experiência de político estudantil, de repente me elejo deputado federal, sem nunca ter sido vereador, prefeito, deputado estadual, e em um período conturbado da história do Brasil. Fui eleito em 1962, tomei posse no começo de 1963 e o Jânio tinha recém-renunciado. O Jango assumiu, e só tomou posse em função do parlamentarismo, porque os militares não queriam dar posse a ele, que era o vice do Jânio. Inventaram um arremedo de parlamentarismo para poder dar posse ao Jango, tirando a maioria dos poderes dele. Nessa época, até eu votei contra o parlamentarismo, porque se tratava de uma questão de se reestabelecerem as prerrogativas que o povo tinha dado ao vice-presidente que acabou assumindo a presidência, que era o Jango Goulart. Então, embora fosse contra o Jango, votei a favor do presidencialismo, para devolver a ele os poderes que foram usurpados pela área militar, pelos ministros militares da época. A partir daí, foi um período muito conturbado. Veio o movimento militar de 1964 e, de repente, fecharam tudo – o Congresso estava em recesso, aeroporto e rodovias fechados, os meios de comunicação censurados… Ficamos sem ter notícia nenhuma, não sabendo o que acontecia no resto do Brasil.

José Wille – Um trabalho muito simbólico para um deputado federal?

José Richa – Exatamente. E foi assim que eu comecei: de repente, me jogaram em um caldeirão fervendo e eu tive que sobreviver. E foi assim que eu aprendi a fazer política.

José Wille – No final do governo Ney Braga, o senhor não queria seguir com Paulo Pimentel, pois tinha preferência por Affonso Camargo. Foi nessa ocasião que o senhor foi para o MDB?

José Richa – Exatamente. Antes ainda, no PDC, o candidato natural da sucessão do Ney no MDB era o Affonso Camargo, presidente do partido nessa época. Mas, segundo o Ney e os companheiros do Pimentel, havia um pouco de restrição militar ao nome do Affonso. Então, o Ney acabou aceitando o fato consumado: o Paulo Pimentel foi lançado pelo Aníbal Khuri e o Ney apoiou sua candidatura. Nós divergimos e fomos para o confronto na convenção do PDC, na qual se reuniram 1590 convencionais. Perdemos, mas foi muito pequena a margem. Não havia mais condições de a gente ficar no PDC, então abrimos dissidência e apoiamos o Bento Munhoz da Rocha Neto, que acabou perdendo a eleição. Logo em seguida àquela eleição de 1965, extinguiram-se os partidos e eu não tinha mais condições de ficar no partido do governo, comandado pelo governador que não eu tinha apoiado. Então, acabamos entrando na oposição. E, também por convicção, eu não ia apoiar o novo governador, pois, como disse, eu era oposição ao governo do Jango, mas também não concordava com a deposição dele. Eu achava que nós tínhamos que derrubá-lo pelo voto, pela eleição, e já estava engajado no projeto que visava exatamente trazer de volta o Juscelino, tanto que nosso candidato na época a vice do Juscelino era o Ney Braga. Trabalhamos no PDC para uma coligação com o PSD do Juscelino, mas, com a extinção dos partidos e a própria cassação do Juscelino, eu militei o tempo todo na oposição.

José Wille – O senhor foi reeleito deputado federal em 1966. Como foi essa presença  cerceada da oposição?

José Richa – Ainda nessa época até 1970, havia o cerceamento de liberdades, mas na campanha eleitoral havia os programas gratuitos sem nenhum tipo de restrição. Não havia videotape e, então, você não poderia gravar os programas, tinha que ir ao vivo. A gente dizia o que queria, e muita gente foi caçada por isso. E eu, apesar de sempre dizer o que tinha de ser dito, sempre em uma oposição muito vigorosa ao regime militar, não cheguei a ser indiciado por qualquer inquérito policial militar. Houve muitas cassações de mandatos, que culminaram com o AI5, em dezembro de 1968, e foi uma coisa incrível.

José Wille –  Como convivia com essa realidade? Chegou a temer a cassação ou represália?

José Richa – Olha, eu nunca temi, porque nunca pensei em fazer carreira política. As coisas foram acontecendo naturalmente, meio por acaso. Então, eu sempre fiz aquilo que julgava ser de meu dever fazer, sem nenhum temor. Isto acabou me ajudando a galgar mais degraus na política e culminou com a minha eleição. Em 1970, eu não quis renovar meu mandato como deputado federal. Aliás, em 1966, eu já não queria mais. Apenas fui candidato porque, quando extinguiram os partidos, também inventaram a vinculação de votos – quem votasse no estadual tinha que votar no federal do mesmo partido. E eu e o Maculan éramos os dois únicos deputados federais de oposição lá no Norte do Paraná. Os que pretendiam ser candidatos a deputado estadual apelaram muito para nós, porque precisavam de um nome para deputado federal, por causa do voto vinculado. Por isso, acabei saindo como deputado federal em 1966.

José Wille – Em 1970 o senhor foi candidato ao Senado?

José Richa – Em 1970, eu não queria mais, mas continuava militando na oposição. Aí, o Alencar, nosso candidato a senador, acabou desistindo, entrou o Gama, que também desistiu, e, quando faltavam menos de 90 dias para a eleição, foram me buscar. Pois, se não tivéssemos candidatos a senador, não conseguiríamos fazer chapa de deputado estadual e federal, e o MDB e a oposição iriam desaparecer no Paraná. Então, aceitei a missão de emprestar o meu nome, ser candidato a senador na chapa majoritária para poder ser o carro-chefe de uma eleição.

José Wille – Mas foram derrotados pela chapa da Arena.

José Richa – Fomos. Mas fiz uma baita votação, que ninguém esperava – 543 mil votos na época, quem se elegeu fez 700 e pouco. O Accioly Filho, que foi o mais votado, acabou fazendo 800. O eleitor poderia votar em dois, e nós caímos na bobagem de lançar um candidato só. Então, a Arena tinha dois, e quem era da Arena votava nos dois, quem era do MDB votava em mim e em mais um deles ou, para não ajudar muito o Aciolly, considerado o nome forte da Arena, votava em mim e no Mattos Leão, que era o mais fraco. O nosso pessoal só percebeu o erro estratégico uma semana antes da eleição, mas aí já era tarde.

José Wille – O MDB era bastante desarticulado e, mesmo assim, depois de dois anos sem mandato, em 1972 o senhor conseguiu chegar à Prefeitura de Londrina. Como foi essa eleição?

José Richa – Foi uma eleição boa, fácil. Nós já vínhamos de uma eleição tranquila, 4 anos antes, por que nós tivemos o Olivir Gabardo, candidato a prefeito, e o Dalton Paranaguá, em 1968, e cada um dos dois somou os 3 da Arena. Então, Londrina acabou sendo um reduto maior e mais importante da oposição, não só do Paraná mas um dos redutos de oposição do Brasil. Então, saímos a candidato eu, o Belinati e o Álvaro; e acabei sendo eleito.

José Wille – E como foi essa experiência na Prefeitura de Londrina?

José Richa – Foi ótima para mim. Eu tive 38 anos de militância ininterrupta na política, mas o período mais gratificante foi o de prefeito municipal. Porque ser prefeito é uma espécie de curso superior da política e quem consegue passar pelo teste de uma prefeitura pode ser até presidente da República, que tira de letra. O prefeito é o único sujeito que não consegue, mesmo que queira, enganar a população, porque, se o eleitor não consegue satisfazer suas necessidades indo à Prefeitura, se o prefeito não o recebe, ele se planta na porta da casa do prefeito. E, então, você resolve o problema ou convence o eleitor por que não pode resolvê-lo. Prefeito que tenta enganar o povo não faz carreira. Então, foi o cargo mais importante da minha vida, no qual aprendi muito.

José Wille – Depois, veio uma fase muito importante para o MDB, em 1974, com uma votação massacrante por todo o Brasil, e até gente que não tinha condições eleitorais acabou se elegendo e se tornando deputado federal sem esperar.

José Richa – Foi um fenômeno no Brasil inteiro. No Paraná, o MDB tinha 16 candidatos a deputado federal e elegemos 15, o único que não se elegeu virou primeiro-suplente. E nós tivemos deputado federal eleito com 1800 votos, porque os cabeças de chapa fizeram 150, até 170 mil votos, e também o senador Leite Chaves, que foi eleito. Mas, no Brasil inteiro, acho que fizemos mais de 2/3. Foi daí que veio o Pacote de Abril, que mudou as regras do jogo e que criou os senadores biônicos, depois das eleições de 1974.

José Wille – E, mais tarde, veio a Lei Falcão, proibindo até o espaço na televisão.

José Richa – Tudo isso foi no Pacote de Abril. Colocaram o Congresso em recesso e, a pretexto de fazer a reforma do Judiciário, acabaram fazendo uma reforma profunda para pior na estrutura política do país. Foi quando aumentaram a importância, o peso do voto do Norte e do Nordeste em detrimento do Sul, quando criaram o senador biônico e proibiram aquela propaganda que a gente podia fazer livremente na televisão. Aí só podiam aparecer o nome, o número do candidato e a fotografia, e ninguém mais podia falar.

José Wille – E foi nessa eleição de 1974 que houve a consagração de nomes como Álvaro Dias, Belinati e Enéas Farias. O Álvaro Dias foi lançado pelo senhor?

José Richa – Sim. Foi em 1968, como vereador em Londrina. A partir daí, ele sempre fez campanha vinculando o nome dele ao meu. Eu sou um primor de inventar nomes em política – o Álvaro Dias foi o primeiro, mas, quando assumiu o poder, me deixou de lado. E depois houve o Requião, que não seria eleito nem vereador em Curitiba. Quando eu me licenciei do governo, e saí ainda com razoável prestígio, eu o elegi como prefeito em uma eleição que ninguém no Brasil imaginava, derrotando Jaime Lerner, que tinha um nome extraordinário. Ganhamos de 218 a 212 mil votos, uma coisa insignificante.

José Wille – Em 1978, ainda nessa maré positiva para o MDB, veio a sua eleição para o Senado e o senhor venceu Túlio Vargas.

José Richa – Sim. Eu tinha recém-saído da Prefeitura de Londrina, terminei meu mandato em fevereiro de 1977. Acabei saindo candidato em 1978 a senador e sendo eleito, pois vinha de uma boa gestão na Prefeitura de Londrina, o que acabou repercutindo politicamente no Paraná, o que me deu condições de me eleger senador.

José Wille – Nessa fase de 1970, com a dificuldade de se fazer oposição, houve até a tentativa do MDB de lançar anticandidato.

José Richa – Até 1974, o próprio pessoal de esquerda votava em branco. Em 1974, com a anticandidatura do Ulisses Guimarães, acho que foi aí que o pessoal de esquerda viu que não adiantava, que não era com guerrilhas lá no Araguaia e em tantos outros lugares, com sacrifício de tantos jovens, que iria se derrubar a ditadura e se iria reconquistar a democracia, e sim participando. Então, pela primeira vez, em 1974, se fez o teste: vamos fazer o confronto pacífico, político e eleitoral; e aí nos demos bem.

José Wille – O senhor afirmou que nunca pretendeu ser candidato e não tinha ambição política. Que as coisas foram acontecendo e, diante da oportunidade, seu nome foi sendo colocado?

José Richa – Tanto é que tinha que desisti da política em 1994, quando venceu meu mandato de senador, sem nenhum trauma. Até hoje, as pessoas não conseguem acreditar quando digo que não tenho nem saudade de fazer política e de disputar mandato. Porque nunca tive pretensão, nem por vaidade nem por nada; as coisas foram acontecendo… Quando aceitei a minha primeira candidatura de deputado federal, em 1962, eu disse no meu discurso de aceitação e lembro quase ipsis literis, ipsis verbis das minhas palavras “não quero ser um político profissional, aceito a minha indicação e permanecerei na política enquanto os meus companheiros quiserem que eu seja candidato e o povo me eleger”. Na primeira eleição que eu perdi, em 1990, não foi só esse episódio… Porque eu perdi a eleição de 1970, mas ali era uma candidatura de protesto, uma candidatura de confronto, para viabilizar a oportunidade da gente consolidar o partido de oposição à ditadura militar; então, não foi uma derrota. Fui candidato a senador em 1970 para encerrar minha carreira política com certa glória, emprestando o meu nome para consolidar a oposição no Paraná e contribuir com a oposição do Brasil. Mas, em 1990, não. Vinha de um governo que eu achava que era bem-sucedido, eu fui um dos 20 melhores constituintes, isto dito pela Veja, pelo Globo, pela Folha de São Paulo, por todos que fizeram, no final da Constituinte, uma avaliação, porque fiquei lá o tempo todo, levei a sério a Constituinte, tanto é que 62% do texto da atual Constituição – menos as bobagens – é do nosso grupo, que eu coordenei. Mas o fato de eu ter ficado lá, sem vir ao Paraná durante 2 anos e meio, foi fatal eleitoralmente. Então, perdi a eleição, até por que eu sabia que não era a minha hora, porque sempre fui um político de contato pessoal, de corpo a corpo e, pelo afastamento desse eleitorado, era natural que houvesse um desgaste. Eu precisava de algum tempo participando daquela campanha, indo trabalhar o interior, para reconquistar um prestígio que estava abalado. Não importava  eu ter sido um dos 20 melhores – para o Paraná. O povo imaginava que isso não adiantava nada. Fui forçado pelos companheiros a ser candidato: 12 candidatos estaduais e federais foram ao meu escritório, dizendo que nenhum deles ia ser candidato, porque o partido ia desaparecer se não disputasse a eleição. Dessa forma, concordei em ser candidato, mas também disse a eles que estavam iludidos com as pesquisas, pois pesquisa eleitoral só indica o grau de conhecimento dos políticos e não o grau de adesão eleitoral. Então, seria candidato, mas iria perder a eleição.

José Wille – O senhor guarda um ressentimento dessa eleição, pois disputou com o Requião, a quem tinha lançado?

José Richa – Não, nada, eu não guardo ressentimento. Acho que só guarda ressentimento em política quem tem obsessão por cargo, por poder, por vaidade, e eu nunca tive.

José Wille – Acha que foi uma campanha suja?

José Richa – Sim, foi. E o meu estilo de fazer política sempre foi o do convencimento, eu sou um sujeito que só consegue atuar naquilo que acredita. Se não acredito no candidato, se não acredito na tese, não consigo nem falar, começo a gaguejar. Não sou um sujeito erudito, não sou culto, eu vim da roça, vim da zona rural e as coisas foram acontecendo na minha vida. Tenho apenas a experiência da vida, a experiência da prática. Não consigo dissimular nada.

José Wille – Mas e a forma como a campanha se desenvolveu e a história da sua aposentadoria, que foi levantada contra a sua candidatura?

José Richa – Pois é, foi uma campanha suja e isto se somou a uma porção de coisas. Eu não queria ser candidato, aquela não era a minha hora, acho que até poderia ser candidato quatro anos depois, mas não naquele momento, porque eu estava terminando a Constituinte e o povo, de certo modo, decepcionou-se um pouco com a Constituinte. Então, não adiantou ser um dos mais importantes articuladores e batalhadores da Constituinte, não adiantou nada este fato… Já havia um ambiente não favorável a uma candidatura minha naquele momento, mais a campanha suja e mais a derrota, e depois veio o parlamentarismo, em que eu sempre acreditei… Eu só acho que o Brasil vai mudar na hora em que houver uma mudança profunda na política, na estrutura política do Brasil. Começando com a mudança da estrutura de governo, a estrutura eleitoral, voto distrital, fidelidade partidária, com perda de mandato para quem não tiver fidelidade partidária, reestruturação dos partidos… Quando houver isto, o resto vem. Falei até para o presidente Fernando Henrique que estava começando as reformas pelo lado errado – se começasse pela reforma política, o resto viria por gravidade. A reforma econômica, a reforma da previdência, a reforma administrativa só virão quando a gente melhorar a política e melhorar a qualidade dos políticos.

José Wille – Voltando um pouco na história: em 1982, foi sua primeira eleição para o governo do estado, que o senhor acabou vencendo. Houve a incorporação do PP, a junção com a força que trazia Jayme Canet, e o senhor chegou ao governo do estado contra Saul Raiz. O que significou esse momento?

José Richa – Eu acho que foi a lógica. Eram 22 anos do mesmo grupo no poder, o grupo do Ney Braga. Havia uma exaustão com relação à revolução, ao regime militarista, uma série de coisas… Então, eu representei, naquele momento, a renovação e por isso fui eleito. E, também, houve a incorporação no PMDB, o MDB com o PP, e o Canet, que vinha de um governo bem-sucedido, nos apoiando… Houve uma junção de fatores e acabamos ganhando a eleição. Acho que a eleição dos governos estaduais em 1982 foi a cunha para a gente poder, sem derramamento de sangue, mudar o regime no Brasil.

José Wille – E a campanha das Diretas teve seu primeiro comício em Curitiba.

José Richa – O primeiro comício. Inclusive a reunião que deu respaldo ao PMDB para lançar a campanha das Diretas foi feita aqui também, em setembro de 1983. Reuni aqui todos os nove governadores do MDB. E o Tancredo, que ainda resistia à ideia, acabou aderindo, naquela ocasião em Foz do Iguaçu, à reunião dos governadores. Fomos levar a notícia ao Ulisses, presidente do partido, e ele preparou o esquema da campanha das Diretas. Um dia, ele me liga “ Richa, ninguém quer ser o primeiro, você não topa fazer aí no Paraná?”. Eu topei e fizemos aqui no Paraná o primeiro comício para a campanha das eleições diretas no dia 12 de janeiro de 1984. Depois, foi São Paulo, no dia 25, data de aniversário da cidade.

José Wille – E depois veio o trabalho para Tancredo Neves, que acabou morrendo e não assumiu.

José Richa – A campanha das Diretas não foi bem-sucedida. O Ulisses queria uma nova rodada da campanha das Diretas, com uma nova emenda. Mas havia outras emendas lá e não tinha como mobilizar de novo o povo brasileiro em torno de uma tese que já havia sido votada e derrotada. Então, nós governadores continuamos a campanha de mobilização popular em torno de outra tese, que era lançar um candidato a presidência da República. E ponderamos com Ulisses o nome de Tancredo Neves, governador de Minas, uma pessoa que podia preferencialmente ser candidato às diretas; e, se não desse, seria o candidato também nas indiretas. Depois de muito relutar, ele acabou concordando; então, lançamos o Tancredo como candidato e continuamos lutando pelas eleições diretas. Elegemos o Tancredo, mas houve a fatalidade da morte dele. Assumiu, então, o Sarney, que era da Arena e que, depois da eleição, acabou indo para o PFL. Como tinha substituído o Tancredo, que era MDB, achou coerente não voltar para o PFL, e ficou no MDB mesmo.

José Wille – Voltando ao Paraná, o senhor, em 1985, trabalhou no seu partido pela candidatura de Roberto Requião, que era pouco conhecido e acabou vencendo. Em 1986, o senhor trabalhou pela candidatura de Álvaro Dias, que acabou vencendo para o governo do estado. Depois, veio o afastamento deles. Como o senhor encarou isso?

José Richa – Olha, são coisas da política, mas não são do meu estilo de fazer política. Quando confio nas pessoas, mergulho de cabeça. O Álvaro foi um sujeito com quem eu sempre tive entusiasmo. Na hora em que houve o afastamento, eu já não concordei com o discurso de posse dele e saí no meio. Fui embora e nunca mais pisei no Palácio Iguaçu. Nunca chegamos a brigar pessoalmente, pois não é uma coisa civilizada – você pode divergir e não precisa brigar. Então, me afastei somente. E quando fui obrigado a ser candidato a governador, o Álvaro, sentindo que podia perder, não saiu do governo para ser candidato a senador, como estava previsto, e apoiou o Requião, que, com sua campanha suja, acabou sendo eleito. Achei, então, que era a minha hora de cair fora, somando isto tudo: não queria ser candidato, sendo forçado pelos companheiros e perder a eleição, depois de ser bem-sucedido, depois de ter feito uma carreira política irrepreensível, ao meu ver. Posso ter cometido erros, claro, mas eu sempre levei a sério as coisas que fiz. Então, acho que sempre fui bem-sucedido. Fiz dois mandatos de deputado federal e, mesmo sem experiência, acho que fui um bom deputado. Fui prefeito e fui eleito pelo IBAM, Instituto Brasileiro de Administração Municipal, que naquela época escolhia os melhores prefeitos da gestão, como um dos dez melhores prefeitos do Brasil. Depois, fui senador, uns dos 20 melhores constituintes dentre 600. Fui governador e me saí bem, apesar de ser de oposição… Nós fizemos uma revolução, pois o Brasil era castigado por essas grandes obras que consumiam o dinheiro da população – era Ferrovia do Aço, era Ponte Rio-Niterói, era Perimetral Norte, era programa nuclear, com 30 bilhões de dólares ali enterrados… E nós assumimos, dizendo “chega de grandes obras, que estão empobrecendo e matando de fome o povo brasileiro”. E foi assim no Brasil inteiro: a campanha do MDB para pequenas obras, priorizando o social. E fizemos infraestrutura básica, estradas, eletrificação rural e o plano de conservação do solo, programa que inventamos e que até hoje vem sendo seguido – graças a isto, temos recuperado as terras boas do Paraná. Além disso, priorizamos o social, com 37,2% do orçamento aplicado em educação. Nós tínhamos 250 mil crianças sem escola quando assumi e, quando terminei, não tinha mais nenhuma criança fora da escola primária por falta de vaga. Na saúde, tínhamos menos de 400 postos de saúde e saímos do governo com mais de 800 postos, com dentistas, inclusive. Hierarquizamos e regionalizamos as ações de saúde, fizemos 265 mutirões habitacionais, fazendo casas de 44 m², consumindo apenas 7% do salário mínimo, e assim por diante. Então, priorizamos os setores sociais. Quanto à alimentação, fizemos aqueles famosos mutirões com produtores rurais, coordenando-os através do Ceasa, fornecendo às populações de periferia das grandes cidades alimento direto do produtor para o consumidor por preços bastante acessíveis.

José Wille – Nos anos seguintes, o PMDB sofreu um inchaço muito grande e se tornou inviável eleitoralmente. Até o senhor acabou indo para a formação do PSDB, buscando um novo rumo.

José Richa – Exato. O PMDB, quando assumiu o governo, inchou e aí um grupo mais consequente do MDB – eu, o Fernando Henrique, o Mário Covas, o Pimenta da Veiga, o Euclides Scalco e um monte de gente no Brasil inteiro – primeiro tentou recuperar o PMDB, fazendo com que ele assumisse as responsabilidades de governo, reciclasse e passasse a ser não mais uma frente, mas sim um partido político. Não conseguimos e aí saímos para formar o PSDB. E agora estou saindo também do PSDB, porque também virou governo e acabou inchando.

José Wille – O senhor deixa o PSDB também por causa de Álvaro Dias, que rompeu com o senhor politicamente e que agora veio para o seu partido?

José Richa – Olha, eu já estava me afastando, mas continuava militando e ajudando o PSDB, tanto que, nas reuniões do interior, eu fui na maioria. Na hora que entrou Álvaro Dias, pensei “Agora já tem alguém de nome estadual, então não precisam mais de mim”. E eu até tinha me reconciliado com o Álvaro, sem nenhum problema. Na época que o Jaime Lerner manifestou interesse em entrar no partido, eu apenas ponderei às lideranças do partido e, principalmente, ao Álvaro que deixassem o Jaime Lerner entrar, para ficar com duas opções. Se o Lerner estivesse bem, seria o candidato à reeleição; se não, seria candidato a senador, a deputado, e o Álvaro seria o candidato a governador. Ele aparentemente até tinha concordado, mas, no dia da convenção, me aplicaram uma rasteira que eu perdi até o rumo de casa, porque foi uma safadeza – até apareceu carta anônima contra mim, para me indispor com os órgãos em que trabalho, até isso gente do PSDB fez contra mim. Então, esse pessoal não me quer. E eu saí… Já transferi até meu título para cá e, como não transferi minha militância, acho que já estou fora do partido.

José Wille – Foi por causa dessa decepção com a política que o senhor recusou os vários convites do Fernando Henrique, seu amigo, para ministérios de governo?

José Richa – Quando decidi realmente não disputar mais e não querer mais cargo público, resolvi provar para mim mesmo que sabia fazer mais coisas além de política. E isto está sendo muito importante para mim, porque hoje estou adquirindo experiência na iniciativa particular e estou satisfeito com ela.

 

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